terça-feira, 29 de dezembro de 2009

"Atenção senhores passageiros... Preparar para a aterrissagem..."

E então ele acorda. Vai chegar a sua cidade natal (para o Natal), engordar com a comida da mãe e da avó, vai rever sua bela família, que dirá que ele está bem, bonito e forte. A família que lhe dizia belas palavras de incentivo das quais ele não lembrava. Apenas sua intuição dizia que daquelas pessoas tão bonitas, só poderiam mesmo vir palavras bonitas.
Ele é um novo homem. De sapatos novos e corte de cabelo novo, inclusive.
Olhando pela janela do táxi, ele vai dizer que o caminho mudou bastante, que tem menos árvores e, olha só!, aquele prédio não estava ali antes, hein...
Na frente da casa dos pais, notará uma cor nova na cerca, com um namorado à espera de sua irmã, que estará um pouco mais alta, mas não menos pentelha.
Perceberá ciúmes naturais de “cunhado” (como o rapaz insiste em chamá-lo sob seu olhar de protesto simpático, mas ainda protesto).
Notará rugas a mais, cabelos a menos e um cansaço que parece não vir de dias fatigantes, mas sim, de uma vida inteira dedicada a ele.
Verá mobília nova. Sentirá cheiro de desinfetante. Entrará no quarto intacto. Ouvirá seu também intacto rock’n roll. Pensará diante de seus discos que Paul sempre fora o seu preferido, no fundo, no fundo...
E entre tantas descobertas, ele se perguntará: “Onde estive durante tanto tempo?”
Em resposta, ouvirá o alarme de emergência de seu eterno piloto automático.

Este conto foi escrito para todos aqueles que não conseguem lembrar pelo menos UM acontecimento importante para si em cada mês deste ano.
Baseado nisso, meus desejos para 2010 são pelo menos 12 emoções memoráveis para todos... Também achei razoável, afinal, de emoções mornas, o ano tá cheio...
Boas festas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A curta história de Lynn

Toda vez que eu olhava para ele, me intrigava o fato dele ter cor de chocolate. Durante nossas corridas atrás de bola ou no pega-pega, nossos braços se esbarravam e, por alguns instantes, via-me cheirando ou provando o suor, para ver se ele era todo chocolate mesmo. Ou feijoada. Ou melado. Não pensava nisso à toa: eu era magro, muito branco, olhos fundos, com cabelos que escorriam pela minha cabeça enorme. E cheio de vermes. Chamavam-me Noah Minhoca.

Todos os dias, depois do almoço, Lynn saía batendo em nossas portas avisando: “Vamos vê-lo! O ônibus está vindo!”. Era a única linha que passava por nosso bairro. Grande, vermelho, barulhento e repleto de senhores e senhoras respeitáveis. Sentávamos na calçada, em ordem, eu, Lynn (e seu apetitoso braço de chocolate), Crosby, Dante, Raymond e Alvin. E quando passava por nós, acenávamos freneticamente, chamando a atenção dos passageiros, que sorriam curiosos, e do motorista, que acenava buzinando. Neste momento, Lynn ficava quieto. O ônibus se aproximava, ele levantava, abaixava as mãos e contemplava o veículo, murmurando muito baixo: “Cuidado... Cuidado... Cuidado...”. Depois, juntava-se a nós para contar as tragédias.

Ele falava bastante sobre essas tragédias, parecia com nossas mães, só que marrom e de boné. Na verdade, ele era o porta-voz da turma, andando na frente, sempre falando. Nas tragédias, fazia questão de ser detalhista. Sempre muito alarmado nas brincadeiras, Lynn não subia em árvores (“Minha prima quebrou todos os dentes numa queda”), não entrava em rios (“Conheci um rapaz que morreu afogado”), não brincava na chuva (“e se um raio me pegar?”), mas, sobretudo, Lynn não corria no meio da rua. De jeito nenhum.

Aos 4 anos, viu sua irmã ser atropelada por um ônibus. Quando nos contou, sonhei durante uma semana com a cena que ele não hesitou em detalhar. Sempre nos avisava, com aquela voz de bronca: “Olha o carro... Não vai agora...”. Ou gabava-se mesmo: “Nunca nenhum carro me pega, pois sou menino bom e brinco sempre na calçada”.

Se isto aborrecia? Sem dúvida. Quando Lynn almoçava em casa, mamãe falava: “Que garotinho obediente... Toma sopa e sabe que legume faz bem”. Eu rangia os dentes de ódio, perguntando onde diabos haviam colocado as crianças normais que comem doces e correm no meio da rua.

Estávamos até acostumados, mas a falastrice dele já enchia naquela hora depois do ônibus. E decidimos um dia não dar mais ouvidos a Lynn. Quando o garoto percebeu que não tinha mais em quem dar broncas, calou-se e foi para um canto. Eu, do gol, percebia os olhos muito atentos que ele colocava na bola. Naquele instante, enquanto pensava me divertir com os amigos, vi que criança é cruel sem querer. Mais tarde, algumas crescem, colocam os freios, depois percebem que não precisam de freios e se tornam adultos cruéis por esporte mesmo...

Em alguma hora daquele jogo, tão alegre e sem regras, a bola foi parar na rua. Todos no campo pararam, como que esperando aquela vozinha fina mandar-nos ficar em segurança na calçada. Para a nossa surpresa, nosso guardião foi atrás da bola. Com os olhos incrédulos, acompanhamos os passos seguros e pomposos de Lynn para pegar a bola. Como num filme, ele abaixou, pegou a bola e olhou em nossa direção com um sorriso que na hora me lembrou um filete de marshmallow.

Fomos interrompidos por um barulho de pneus.

O ônibus havia se atrasado naquele dia e Lynn estava com a bola nas mãos. No meio da rua.

Lembro de ter visto de relance o lençol branco manchado de sangue que cobria o corpo do menino de chocolate. Curiosos foram mais perto para ver. Ficamos afastados da rua, sem coragem para ir até lá. E foi assim desde esse dia. Não brincamos mais de bola.

Encontrei pela vida muitos outros amigos que me davam broncas, ou que se pareciam, tinham cheiro ou até gosto de chocolate. Mas, com lágrimas muito salgadas, lamento nunca mais ter encontrado um amigo que não gostava de doces e não corria pelas ruas quando criança.

sábado, 5 de setembro de 2009

da série "detalhes" - a morte da espera

Fonte: Getty Images

- Luzes apagadas
- Trancar uma porta
- Trocar de roupa
- Lavar pratos
- Abrir uma garrafa de vinho sozinho
- Inseto se debatendo no vidro da janela
- Lençóis novos
- Ler de novo seu livro favorito enquanto saem outros mil lançamentos
- Sair de uma fila
- Trocar o playlist do Ipod
- Chegar num lugar completamente ensopado de chuva
- Desistir do relógio de pulso
- O “Abbey road”
- Carreiras-solo
- Macarrão instantâneo.

da série "detalhes" - a espera da morte

Fonte: Getty Images



- Olhar um horizonte e não pensar em nada
- Bodas
- Aniversário sem bolo
- Velas apagadas
- Casa vazia
- Cuidar de uma árvore
- Cheiro de naftalina em uma roupa
- Ter um passado
- Terminar um diário
- “The sound of silence” ou qualquer blues
- Achar sua história de vida chata
- O “Let it be”
- Comer sem fome
- Desejar estar numa lembrança
- Não mais se importar com opiniões alheias
- Corredores vazios.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Coração de prata.

Todos os dias, Joana mirava o gradeado da janela e detestava o sol passando entre ele. Iludida, sonhava com dias menos ensolarados. Pensava que o sol brilhava muito forte em sua cabeça, e que haveria algum lugar no mundo onde ele não brilhasse tanto assim a ponto de queimar seu cabelo...
Gostava de imaginar o lugar nublado, em que choveria todas as horas, aumentando a possibilidade de um possível amor oferecer carona num guarda-chuva. Como naqueles filmes, aquelas comédias cheias de atrizes de pele muito branca e jovem, que nunca se bronzeiam. E se o fazem, no máximo debaixo de um guarda-sol, chapéu e paparazzi. No Caribe. Uma vez ao ano.
A caminho de seus caminhos sem o menor objetivo, lá ia Joana suando debaixo daquele dourado sem fim... E nem de dourado ela gostava. Achava o prata mais chique, mais prático, de brilho elegante e realista. Lembrava dos prédios de uma cidade grande, de janelas espelhadas ao meio do dia e sonhava (no calor dos pensamentos, literalmente, sob o sol) com o prateado da evolução. “Dourado cansa. Prateado dança”, concluía.
Um dia, começou a chover. Sem pensar duas vezes, ao sentir os pingos nos braços através do gradeado, Joana resolveu sair pra finalmente refrescar suas idéias de panela de pressão.
Pingo a pingo, a chuva lambia o rosto moreno da garota de prata no coração. Lavou os cabelos, o corpo que já não era molhado de suor e a alma de sol entre nuvens. Todo aquele indício de dourado cansado ia dando lugar a uma dança de pingos muito prateados.
E foi assim os outros dias. Aquilo que era ouro virou prata. Não que valesse menos, mas, cá entre nós, Joana anda com um olhar tenebroso estes tempos. Vai ver o sol se cansou de ver sua alma sempre nublada.

sábado, 22 de agosto de 2009

Ensaio sobre a trilha do amigo

Amigo não pede licença pra entrar na sua vida. Que nem as canções e as trilhas sonoras. Canções e amigos são tão fundamentais para mim que me senti tentada a relacioná-los. Pieguices à parte, dedico a cada um de meus amigos uma canção individual. Pode ser ela conhecida ou simplesmente inventada...

Um amigo trilha de circo sempre aparece num momento da sua vida. Que é desajeitado, faz piada sem querer, pensa que atrapalha, possui uma ingenuidade quase irritante e diz ter sempre a impressão de que estamos rindo dele (mas é sempre com ele, afinal, é amigo). No fim das contas, é tão amado que chamá-lo de “palhaço” (guardada, inclusive, a devida poesia) é quase uma ofensa.

O eterno amigo jazz... Clássico no andar, de variações complexas, passos às vezes inacompanháveis, voz empostada e em tom de bronca, presunçoso e de uma profundeza assustadora. Amigo assim é indispensável para os momentos de solidão, pois é ele que te apresenta à solitude e te ensina a se bastar. Ele te entende. Ele sabe o que é ser sozinho e atura sua chatice porque, no fundo, ele é um verdadeiro chato também. E você o ama porque ele te acompanha até em elevador.

Amigo canção popular. Se você não tem, Deus queira que um dia você tenha. Diz uma canção popular que “uma canção faz nascer o sol no coração da pessoa”. E assim é este tipo de amigo. Não importa se seu dia foi um desastre, se você está de tpm ou simplesmente você não está para ninguém no momento. Ele vai sim chegar sorrindo, vai sim senhor te fazer levantar da cama com o “oooooooooooooooooiiiiiiiiiii” dele. Ele pode até ser inconveniente, mas é como tocar “You are the sunshine of my life” em uma reunião de executivos sisudos. Uma risada será ouvida lá no fundão... A voz dele é quase um solo de teclado de tão divertida! Contagia, te ensina a sorrir grande e é pura alegria. E por mais brega e popular que ele seja, você o ama. A não ser que você seja um cretino.

Amigo rock ‘n roll. Aparece na sua fase rebelde e vocês deixam o cabelo crescer (ou cortam a juba de vez) juntos. Aliás, vocês fazem muitas coisas juntos. Mas tanto que os outros pensam que vocês tem um caso, e isso não importa de que sexo vocês sejam. Aí chega uma hora em que outros amigos entram na roda... A turma vai ficando grande e a magia acaba... Como os Beatles, vocês trilham outros caminhos. Talvez não tão felizes ou tão produtivos como na época em que estiveram juntos. As lembranças ficam perdidas no tempo, viram saudosismo e, mais que de repente, vocês se encontram em algum Orkut da vida anos depois... E quando você escuta um vinil empoeirado, vendo aquelas fotografias em que vocês aparecem de preto, com unhas pintadas e cortes de cabelo duvidosos, percebe que sempre pertenceram um ao outro e que aquela época jamais voltará. Você o ama porque ele guarda suas lembranças.

Amigo micareta é uma farra. É ele que te leva a lugares que você nunca imaginaria pisar. E nas maiores roubadas também. Hiperativo, elétrico, de voz estridente que nem cantor de banda de axé. Entra nos lugares dançando, e parece que sempre está seguindo um trio elétrico. Ele articula seus encontros, apresenta os possíveis amores e as maiores decepções. Pura diversão: te promete as melhores noitadas e as piores ressacas. Mas poucas vezes no ano, porque carnaval a toda hora é meio sacal...Geralmente você para de beber e de dar vexame depois que ele sai de circulação... Você o ama porque ele torna a felicidade possível e até um pouco barata, considerando o preço da cerveja...

Amigo pode ser uma canção. Não sabemos de que são feitos exatamente. E, se soubéssemos, assim como os que estudam música e não possuem o menor talento, correríamos o risco de perder toda a poesia deste mistério.

Os que estudam dizem que canção é letra e melodia. E que amigo é a família que a gente escolhe.
Os que sentem devem dizer que canção é sentimento. E que amigo é amor que se explicado, não faz o menor sentido. Pura empatia.

Os que estudam dizem que uma canção se aprende com notas e técnicas aprendidas. E que amizade se cultiva.
Os que sentem falam apenas que “essa música é foda!”. E que seus amigos também são.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O tempo passou um pouco, voltei para casa e esquecemos de registrar muitas das outras frases dele. Me esforcei bastante para lembrar destas e, conforme for lembrando das situações, vou postando por aqui. Prometo me dedicar à estas lembranças.
Estas frases são mais recentes e a maioria delas eu presenciei. Percebi que idade trouxe mais complexidade às questões... E mais audácia também.

*
“- Luciano, que tal tu tomares um banho?
- E que tal eu tomar conta da minha vida e tu tomares conta da tua?”

*
Numa ajuda com o dever, uma discussão sobre os transportes em Macapá:
“ – Aaah, Luciano, sei lá... Coloca aí: um metrô em Macapá seria mais uma alternativa de transporte...
- Ei: até um cavalo seria mais uma alternativa de transporte, dã...”

*
Estou procurando um emprego. Deixei um currículo na escolinha dele para dar aulas de inglês para as crianças. Quis saber (para arrependimento futuro, claro) a sua opinião a respeito.
“- Sabia que eu levei um currículo lá na tua escola?
- (pausa para pensar)... Hum... Pra quê?
- Pra dar aulas de inglês pra ti e pros teus coleguinhas, oras...
- Eu já tenho uma professora de inglês...
- Pô, Lu... Valeu pela força, hein...
- Não! Não é isso! Só não quero tirar o emprego de ninguém, né?”

*
Ainda sobre o currículo, quando ele voltou às aulas neste semestre, quis saber como andavam as coisas...
“- E aí, Luluca? Me conta das aulas... Já tiveste aulas de inglês neste semestre?
- Já! Foi hoje!
- E a professora? É a mesma do semestre passado?
- Sim! E ela também dá aula de informática, Educação e Cidadania e mais uma coisa lá...
- Poxa... Essa professora é muuuuito sobregarregada, hein?”
E ele, acho que subentendendo minha intenção de influenciar sua opinião sobre dar aulas para ele, respondeu na minha cara:
“- Pois é... Ela tem um ótimo currículo, hein...?!”

Primeira seleção

( as frases a seguir são desta época, 2005)

*
Quando avisado que ia ficar com a avó:
“A senhora errou, mãe. Vó não fica com filho. Fica com neto. Ela tem é que ficar com o papai.”

*
Quando minha mãe trabalhava no banco, uma das desculpas que ela usava para sair para trabalhar era que “o cliente” estava lá esperando por ela. Certo dia, ele ligou para o banco e falou com ela:
“Mãe, deixa eu falar com o cliente para ele deixar você voltar para casa?”

*
Desde muito neném, Luciano sempre foi louco por água de coco. Certa vez, meu pai estava falando do sítio do meu tio, o qual ele tinha visitado no fim de semana.
“ - ...tem cajueiro, cupuaçuzeiro...”
E o Luciano completou:
“- ... ‘água de cocozeiro...’”

*
“- Pai, o senhor sabe fazer gemada?
- Sim... Bate a clara, aí coloca a gema do ovo, açúcar...
- Aaah, o senhor sabe! Então faz uma pra mim?”

*
De repente, na cama:
“-Ora, ora, ora... O lápis não é da senhora.”
(o primeiro verso rimado que ele fez)

*
“- Pai, sentir é fazer o quê?”

*
No dia do aniversário de 4 anos, minha mãe diz a ele:
“- Parabéns, já tem quatro anos o meu bebê!”
E ele, sabiamente responde:
“- Eu não gostei de crescer.”

*
Mamãe comprou um cofrinho para cada um dos meninos e disse:
“- Olha, ninguém pode mexer nas moedas porque isso já é pro natal de vocês.”
E ele:
“- O Papai Noel agora é pago, é?”

*
Aí a mãe deu um sermão antes do Natal, pois de criança danada a gente nunca escapa:
“- O Papai Noel não gosta de menino que não obedece, não escova os dentes, etc...”
E ele:
“- O Papai Noel não se mete nisso tá? Ele é o Papai Noel, dã!”
*
Deixei por último a que mais me emociona quando leio e me faz perceber o quanto cortar o cordão umbilical é uma tentativa frustrada de nos fazer independentes.
“ – Mãe, antes de eu nascer eu era triste porque eu ainda não tinha mãe. O ‘papai do céu’ não sabe cuidar de bebê.”

Uma lista especial

Criança é uma dádiva. Lembro-me muito bem de ter sido uma criança muito quieta, pouco artista e fácil de enganar. Vejo hoje o quanto eu era uma criança sem graça, isso sim. Mamãe lembra de poucos momentos e tiradas minhas. Acho que era porque eu tinha muito medo de falar e conversar com adultos. Acreditava em uma hierarquia, uma superioridade que permeava o mundo adulto... Acredito que, quando era criança, não queria ser criança. Queria ser adulta para poder participar daqueles grandes debates regados àquela bebidinha amarela e amarga (vai dizer que você nunca provou do copo escondido???)... Adultos, para mim, eram super-heróis. Meu conceito de felicidade estava na roda de adultos conversando.
É. Eu continuo ainda muito fácil de enganar.
Diferente de meus irmãos, que sempre foram muito espirituosos, falantes e espertos quando pequenos. Não lembro de muitas coisas dos dois mais velhos, pois era muito chata e não me deslumbrava com coisas muito simples (ai, a adolescência... O rito de passagem mais doloroso que tive) quando eles nasceram e tiveram seus momentos, por isso não curti muito (com pesar, hoje percebo) as infâncias dos dois.
Mas o mais novo é o que possui a maior quantidade de frases, conceitos, cenas e tiradas que estão frescas em minha memória.
Durante minha ausência em casa durante um ano (fui morar em Campinas em 2005), senti muito não ter visto uma das fases mais incríveis dele: os 3 anos, onde as dúvidas surgem, o vocabulário se desenvolve e a necessidade de se comunicar traz definições de palavras e construção de frases no mínimo interessantes para um universo tão pequeno ainda.
Neste período, minha mãe teve a brilhante idéia de registrar em sua agenda as frases mais fofas e as perguntas e situações que englobavam a ingenuidade e a curiosidade de uma criança de 3 anos.
A partir de agora, postarei as frases mais célebres e as situações mais memoráveis que passamos com ele e continuamos a passar, pois a idade está trazendo cada vez mais a capacidade monstra de nos surpreender.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tendências: parte 2

Depois de escrever o post anterior, recebi dois comentários que sugeriram que eu tivesse um pouco mais de ponderação ao lidar com assuntos delicados.

Foi enfatizado, segundo Arthur Melo, em outro quadro de comentários, que, ao "enquadrar todo mundo que se diz depressivo/bipolar/boderline no mesmo grupo dos que querem estar na moda, dos que exageram ou simulam sentimentos, é perigoso, pois a denotação poderia se estender àquelesque realmente precisam de ajuda."


Se houve mais mal-entendidos do tipo, peço desculpas a quem leu, realmente não foi a intenção.

Respondi em um dos comentários que "assuntosdelicados" são reais e que a realidade não fica cheia de dedos ao nos atingir. Por isso não tenho muitos freios quando escrevo.

Acho que ainda vou escrever muitas retratações por aqui...

Mais uma vez, desculpem o mal-entendido.

sábado, 8 de agosto de 2009

Tendências

Tá na moda ser depressivo. É fashion ser bipolar. Quem não tem terapeuta, é antiquado. E quem não toma um ansiolítico de vez em quando, não está antenado. Quando foi que a felicidade se tornou um artefato de brechó, minha gente? Aquela peça que no passado todo mundo tinha, mas que com o passar dos anos acaba ficando over demais e para num lugar onde é estocada e oferecida pra um ou outro admirador de antiguidades, a preço de banana.

A grande tendência é não ter esperança. A dor é mais vistosa. A dor desfila na passarela, com as costelinhas e os ossinhos da bacia saltando, dizendo que ser culto e sabido já basta. Amor, paz de espírito e alegria de viver (saúde mental, por assim dizer) a gente encontra em maços de cigarro ou em caixinhas de Lexotan.

O lado negro deste modismo é o exagero, como em todo modismo. Ser indivíduo já é uma carga muito grande.
Um indivíduo individualista e intrínseco é um perigo...
Não sei quanto a vocês, mas mergulhar em minha própria mente não lá das tarefas mais agradáveis pra mim. Tá. Também não é das mais assustadoras; afinal, não sou tão ruim e tenebrosa como pareço (ou talvez já esteja acostumada...). As mazelas da alma te levam a um estado contemplativo de si mesmo. É como usar um pijama na rua... Uma hora vão te chamar atenção a respeito. Ninguém quer uma pessoa de pijama ao seu lado no ônibus. Nem um “depressivo/bipolar/ansioso/... por hobby”, destilando por aí todas suas queixas de mundo imperfeito...
Isso inclui os top top do in: os que tem olheiras. São endeusados. Os Bündchen de todo esse surto de transtornos mentais. Olheira é sinal de problema. Quem tem olheira não dorme. E, sinceramente, pra mim, quem não dorme não é normal... Mas, fazendo par com o lápis preto esfumaçado e uma sombra com a cor da última estação, elas fazem a cabeça desses fashionistas.

Bom. Eu posso estar meio fora de moda. Ou simplesmente adotar alguns destes itens da moda atual sem me declarar escrava (igualzinha a minha redenção ao jeans saruel e o boyfriend). Na verdade, eu gosto mesmo é de uma boa havaiana azul e branca, toda carcomida, que fica na porta da minha casa e serve pra tudo.

A felicidade pode ser meio démodé pra alguns (ainda usam essa expressão????). Mas eu acredito que ela seja mesmo vintage... E, que eu saiba, o vintage ainda continua em alta.
Então, que venha a primavera, suas flores, o cor-de-rosa, batom vermelho, a alegria plástica dos anos 50 e , claro, a felicidade.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Um mais um

Me disseram uma vez que as pessoas não se completam... (essa pessoa vai ler este texto e irá se lembrar). As pessoas se somam. E que as outras operações matemáticas, que não a soma, acabam com os relacionamentos.
Então eu entendi tudo errado. Mas tão errado que penso que soma é infinita. Infinito é muito pra mim. Acho infinito triste pois, até onde eu sei, não sou infinita. Quando eu morrer, pode ser que outras vivências comecem. Mas a minha vida, ela tem um fim. Um ponto, nem que seja pra escrever outro parágrafo.
E se todo mundo apenas te soma, qual é o sentido de ser só? Qual o sentido de nascer ligado a alguém por um cordão? E qual era a da mãe-natureza ao criar na mulher um vazio anatomicamente proporcional ao que o homem tem a mais? E ainda, dentro deste vazio, fazer brotar vida?

Como assim, um mais um é dois?

Não sei daqueles que se bastam e que são um completo. Pra mim, certos vazios precisam ser preenchidos. E se a lógica das pessoas que somam umas às outras se aplica a isso, não preciso de mais vazios, muito obrigada.

sábado, 27 de junho de 2009

da série "detalhes" - vida de experiência


- Conhecer a fundo a maior quantidade possível de olhares.
- Viajar sem destino.
- Raciocínio mais rápido até que o bom-senso
- Aprender línguas e linguagens
- Comer muitos ovos fritos
- Começar muitas coisas sem terminar: ginástica, curso de desenho ou aprender a tocar um instrumento
- Passar pelo rock, punk, alternativo, jazz, MPB, reggae, e se emocionar com Simon and Garfunkel
- Praticar o mal sem saber o que é
- Estudar cinema, alemão ou LIBRAS
- Andar ligeiro e sorridente
- Poupar as suas melhores lágrimas
- Procurar o amor na felicidade e a felicidade no amor
- Fechar os olhos em momentos de lucidez
- Rasgar cartas de quem te magoa
- Ler manuais de instruções
- Cantarolar no chuveiro
- Querer refazer o que foi feito errado (sempre)
- Hedonismo
- Dar continuidade ao que não tem
- Terminar um conceito com ponto final
A vida dura as experiências.

da série "detalhes" - experiência de vida

- Chegar aos oitenta ainda lúcido
- Conhecer muitos lugares mas morar em apenas um
- Ter um sotaque
- Saber fazer algo para comer que seja único e especial.
- Colecionar alguma coisa.
- Ter uma boa discoteca
- Perceber que não existem males necessários, mas, sim, aquilo que é mal se for necessário.
- Ter um filme que por mais que você assista, sempre chore.
- Nunca prender: xixi (dá celulite), lágrima (dá câncer) e um amor (dá solidão).
- Olhar nos olhos de quem se fala
- Rugas de (boa) expressão
- Uma camisa de banda que ainda sirva de pijama
- Caixa de sapato com cartas
- Caixa de ferramentas com algumas chaves que não foram usadas
- Saber de cor uma canção qualquer do Roberto.
- Ainda assustar-se com a maldade
- Buscar ebriedade em prazeres mais duradouros, libertadores e verdadeiros.
- Deixar de julgar fatos e de fatorizar julgamentos.

A experiência dura a vida.

domingo, 17 de maio de 2009

A cromoterapia do dia

Um dos maiores motivos que me fazem preferir o dia à noite são as cores. A noite é de uma cor só. O dia é colorido, e eu gosto de perceber tudo às claras, sem máscaras.
Acho demais o dia amanhecer cinzento. Sei bem que é quase unânime a preferência pela chuva na janela em dia de domingo, mas o cinza vai mais além. Muitos podem pensar que um dia cinza é sem vida. Imagina! O cinza é a cor da sobriedade. Não é à toa que precisamos de mais atenção ao dirigir na chuva, já que, de dia, não temos o luxo da luz artificial que tem a noite.
Vejo sofisticação e seriedade na fumaça que sai dos cigarros dos fumantes. Pouca saúde também. Mas não tão triste quanto a apatia dos jalecos dos enfermeiros, que é diferente do branco limpo e salgado dos aventais dos chefs de cozinha. E da higiene quase séria das camisas dos barbeiros.
Amarelo é a cor do dia; e apesar de eu achar uma cor horrenda em roupas, ele me pega pela poesia que tem. A cor da alegria, do entusiasmo, da frente da casa da minha mãe, das coisas valiosas, do meu enxoval quando neném, do sinal ignorado, da bundinha da abelha... E é a cor do sol, a razão do dia. Mas vocês nunca me verão usando uma calça amarela por livre e espontânea vontade...
Laranja, assim como aqueles cones de sinalização, é irritante. Ácido que chama atenção. Era a cor do uniforme da minha antiga escola. E da criatividade, da vitamina que eu tomo de manhã e do local onde trabalho. Desperta assim como o vermelho. Aliás, o vermelho é forte. Alarma como nos sinais de trânsito, os luminosos que indicam perigo ou saídas de emergência. Revela a masculinidade na fachada do Corpo de Bombeiros daqui da minha cidade. É revolucionário nas camisas dos esquerdistas e apaixonado na minha camiseta dos Beatles; convidativo em lábios e unhas; majestoso no tapete de entrada do cinema; corajoso nos joelhos ralados dos moleques danados.
O azul é para onde se olha para acalmar o passo. Depois de tantas cores, olho para cima e fica tudo bem. Ele refresca e faz pensar. É água. É renovação. A cor das caixas d’aguas, dos fundos de piscinas, daquilo que evapora e limpa e das comidas que não existem (ou não são apetitosas!). Cor do meu banheiro; das canetas BIC, tão companheiras; dos lençóis mais macios; das logomarcas empresariais. Azul também é profundo. É fechado em si; pois, assim como no azul das veias, pouco revela o que guarda.
Passeando pelos cantos, vejo todas essas cores em varais de roupas, vitrines, bandeiras, pipas e a cidade...
E chego em casa. Entro no lugar onde escrevo; tem cor de esperança; é onde me curo de todas as mazelas (físicas ou não); onde olho para a janela e vejo mais dessa tonalidade... É a cor que me inspira, que guarda o cheiro das árvores, o ativismo, o altruísmo e, paradoxalmente, o individual. O meu quarto tem a minha cor. O quarto verde.
Meus dias são coloridos. Por isso vivo de dia e finjo à noite...

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O sentido do que é sentido

Chorar é ruim? Há quem responda que depende do motivo.
Eu respondo que ruim é segurar o choro.
E dar gargalhadas? Maravilhoso.
Num velório? Não muito.
Sentir raiva, pena, preguiça, alegria, tristeza ou saudade é normal.
Mas devíamos nos perguntar: os sentimentos bons são tão superiores a ponto de reprimirmos os que são “maus”?
Já passei três dias chorando. E três horas rindo. Ambos me deixaram com os músculos abdominais cansados e doloridos. Qual foi o melhor? Nem sei. E o pior? Menos ainda.
São sentimentos. Quando chorei, pensei que morreria de tristeza. Quando ri, pensei que era o momento mais feliz da minha vida. E estava errada em todos, pois cada um deles me serviu em uma ocasião. Mal eu sabia que viriam outras pela frente (bonitas e feias, inclusive)
E a preguiça? Fazer coisas com preguiça, segundo a minha avó, é fazer duas vezes. Preguiça é pra ser curtida.
Pena se tem até achar outro sentimento substituto.
Alegria dura pouco, mas é intensa. Tristeza dura muito porque é imensa.
Enxergo os sentimentos com cores e tamanhos. E a gente tem que experimentar pra ver qual é que serve... Percebam: um alguém sempre é ou mais triste, ou mais feliz, mais ansioso, mais sereno...
Devemos sentir todos no ápice de nossos sentidos.
O único mesmo que a gente tem que matar é a saudade...

Bom ver vocês!

Lista?

Não esqueci da carmim:
Seguem as regras
. escrever uma lista com 8 coisas que sonhamos fazer antes de ir embora daqui (?)
. convidar 8 amigos de blogs para responder também;
. comentar no blog de quem nos convidou;
. comentar no blog dos convidados, para que saibam do meme;
. mencionar as regras

Adoro listas, benhê, mas esta foi terrível de fazer. È muito pra fazer em tão pouco tempo. Ir embora pode ser uma viagem... Planeje fazer uma viagem: você sempre esquece alguma coisa na ida ou na volta...

1- Aprender mais sobre Yoga. Foi um tipo de filosofia que fez muito bem pra mim em uma época difícil, mas parei por falta de tempo (ou de outra desculpa pra parar de estudar a respeito). Quero um dia ficar velhinah e dar aulas sobre isso. Já reúno pessoas e fazemos prática. Mas ainda é bem comecinho e bem básico.
2- Atravessar a Abbey Road. Quem não souber o motivo, não me conhece MESMO.
3- Assistir uma saga completa. Sempre assisto sagas incompletas, ou paro no primeiro filme. Mas“Star wars”, por exemplo, nunca será assistindo completamente por mim...
4- Acreditar mais nas pessoas. Vai ser um processo lento e doloroso. Mas tenho esperança em conseguir, o que é um bom começo.
5- Fazer uma tatuagem bem grande em homenagem à minha mãe. Preciso dizer o motivo? Ok. Só mãe pode deixar de usar todas as roupas que gosta, ficar gordinha, cheia de água, hemorróidas e estrias durante nove longos e tenebrosos meses e ainda ficar feliz por causa disso.
6- Acertar a primeira fornada de cookie.
7- Manter uma caixa de grampos por um mês, sem perder nenhum.
8- Não deixar meus objetivos de vida se reduzirem a 8 tópicos...


Desafio (de verdade, porque é mesmo um desafio) as seguintes pessoas a fazerem um meme:



Parcimônia, eu tento!
Filia por Sofia
Ave, Palavra!
Do caderno de sonhos
Imaginarius Concrético
Fez-se
Crazy Feelings
Mulher Pequena

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nora e Samuel (ou “Everylasting Love”)

“Open up your eyes, then you'll realize.
Here i stand with my everlasting love
Need you by my side.
Girl to be my pride.
Never be denied everlasting love.”

NOTA DE ESCLARECIMENTO: Tenho o péssimo hábito de não olhar o que o blogger fez nos textos depois de postá-los aqui. Uma espécie de negligência que antes até achava charmosa, mas agora comprometeu um dos textos. Este, que é tão importante, acabou sendo vítima da minha distração e da minha total inabilidade com atalhos do Office. Postei apenas o final do texto... Mil perdões, pessoal. Segue o texto na íntegra.
Antes do vinho barato ou da ceveja quente. Antes das malas arrumadas. Antes de ver o pôr-do-sol. Antes de criar um gato. Antes do buraco na alma.
Antes que a floricultura feche, da última sessão do cinema, que a bateria acabe.
Antes que seja tarde, que todos os que existem por aí no mundo se deem conta de seus amores perpétuos.
Abram seus olhos...
E poupem os ouvidos de seus amigos...

Samuel (ou “Everybreath you take”)

“Every move you make
Every vow you break
Every smile you fake
Every claim you stake
I'll be watching you”

Eu o achava um otário. Ligava demais, era grudento, queria sempre dormir na minha casa. No início, fiquei maluca com aquela invasão nos meus guardados. A cerveja na cama. A cueca na pia. Depois, ele se tornou meu próprio ar.
Era muito ingênuo. Era dócil. As covinhas que se abriam nas bochechas quando sorria, apesar de fundas, eram suaves. Na verdade, Samuel era um amor. Aqueles amigos babacas... Vocês me desculpem, mas os verbos “chupar” e “arrombar” não tornam uma piada engraçada. Tornam-na obscena e vulgar. Não achava a menor graça naquela turminha. E ele conseguia ser irritantemente adorável. Me apresentava às amigas e não dizia um “ai” pela cara fechada que eu fazia para todas.Todos eram bonzinhos naquele mundo mágico, todos eram de bem, bacanas e alto-astrais. Um bando de “Ternurinha”. Uns bajuladores. Nunca o magoaria falando tanta verdade inconveniente. Detestava ver ele procurando pureza nos meus olhos. Constrangia. Quando perguntei por que tanta amabilidade, ele me respondeu que gostava de pensar que a amargura vinha em forma de potinhos de exames. São simpáticos vazios. Mas quando contém “a causa da sua doença”, você quer mais é se livrar daquela porcaria. Mas que são até colecionáveis, são. Assim ele queria a amargura. Longe dele depois de curado. Que tédio.
Ah... Mas ele não sabe o quanto eu quis passar o resto da vida ao lado dele. Por exemplo, naquele dia, na casa da Larissa. Depois dela falar aquele monte sobre o canalha do João (traidor, mentiroso, safado e sonso). Samuel não entendeu muito bem quando eu disse que ela estava carente e se entregou demais. E ficou mais puto ainda quando eu pedi pra ele se tocar. Devia ter esclarecido que era pra ele se tocar sobre o João...
E depois que ela falou tanto, eu fiquei comovida. Tem gente que não guarda mágoa... Tem gente que ama. Ainda bem, porque eu já estava quase disposta a mudar pelo mundo. Isso tudo eu disse depois de assistir “A liberdade é azul”... Cheguei a enxergar um esboço de sorriso nele. Mas depois ele disse que eu era impossível de entender e foi embora.
Mal ele sabe, mas depois que a gente terminou, não paro de escutar “Close to you”. Milhares de vezes ao dia. Às vezes ligo de outro número só pra ouvir o “Alô?!” alegre dele. Também mudei o caminho só pra vê-lo saindo do trabalho (e Deus inventou o terno...). Só ver. Observar aquele gesticular tão vivo... Aposto que vai ver outra pessoa. E não me importaria quem fosse, desde que ele voltasse para os meus braços mais tarde. Ensaiei uns choros ontem à noite.
E toda vez que ele caminha pro lado contrário em que estou, eu morro aos poucos.
Mas a cada passo que ele der.
A cada suspiro dele.
Eu estarei observando.

Nora (ou “Try a little tenderness”)

“Oh she may be weary
Those young girls they do get weary
Wearing that same old shaggy dress
But when she gets weary
You try a little tenderness”

Eu a achava muito sexy. Aquele sarcasmo, aquele olhar irônico. Aquela maldade. No início, fiquei maluco. Corria atrás, telefonava, queria passar a noite inteira com ela (a chave de pernas...). Depois, ela se tornou a indisposição em pessoa.
Era muito inflexível. Era radical. A flor de lótus tatuada no ombro esquerdo (linda!), apesar de flor, era agressiva. Na verdade, Nora era um ultraje. Desprezar quem não lhe agradava à primeira vista era uma de suas marcas. Me fazia cada vergonha... Adorava ficar séria diante dos meus amigos piadistas. O pessoal rindo das piadas e ela lá... Impávida. Achava prazeroso analisar e não ver nada de especial em “Ternurinhas” (assim chamava as pessoas de bem, bacanas e alto-astrais). Mentia. Omitia. Mas, no fundo, eu sei que não se orgulhava. Uma vez, quando eu perguntei por que tanta amargura, disse pra mim que gostava de pensar que a ternura poderia um dia vir em latas decoradas, que nem pannetone, que você compra, se delicia e depois guarda outra coisa na lata. Ou só guarda mesmo pra lembrar-se do sabor e do cheiro. “Falta ternura no mercado”. E ela achava que um dia ia chegar. Assim. Que nem magia.
Por exemplo, quando ouviu Larissa dizer que amava o ex, seu estômago revirou. Achou nojento. “Coitada. O que é a paixão... O que é a carência...É o que dá se envolver.” Na minha frente. Eu apaixonado. Era o que ela realmente gostaria de falar pra Larissa, mas não podia. “Claro que não. Com amigos a gente mede palavra. Não é assim, na bucha: ‘Se toca’”. Acreditem: ela era muito capaz de dizer isso... Já disse pra mim.
E enquanto Larissa contava sua dor de amar, Nora ouvia com cara de asco. E depois de ouvir tanta benevolência, tanta falta de mágoa, tanta amabilidade, a repulsa se transformou (susto!) em empatia, mais tarde, depois que a gente viu aquele filme cabeça. “ Como é bonito ver um alguém que não consegue odiar...O mundo tem jeito. E, graças a Deus, não sou eu quem vai promover essa mudança. Tem gente melhor pra isso”. Ah, vou confessar, achei bonitinho quando ela falou assim. Ela tentou... Mas ficou esquisito: o ar de arrogância junto com o comportamento autodestrutivo. Era demais pra mim. Desisti de entender.
Talvez Nora tenha esperanças de ser amada um dia. De dizer pieguices, ouvir Carpenters, ficar horas pendurada no telefone com voz de criança, ser traída, correr atrás do amor perdido e chorar de verdade. Por amor. Sem pensar. Quem sabe ser uma Ternurinha. Eu não consegui.
Talvez ela esteja um pouco entediada.
Nora merece tão mais...
Um pouco de delicadeza, quem sabe..



segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Superfície da alma

Eu adoro superficialidades. Faço de tudo pra este blog sempre ser pseudoprofundo. Comparado a uma cárie que não chegou ainda na dentina. Não dói, mas incomoda bastante.

Ser superficial, pra mim, não é ser vazio. É muito além de ser alegre. Tem a ver com plenitude e saber vibrar de acordo com o ambiente. No fim, é deixar-se levar. Ser mais leve um pouco.
Para chegar até o lado oposto e perceber do que eu falo, lembrem daquelas discussões densas, que envolvem aqueles tipos irritantes, em geral leitores de orelhas de livros, defensores da música alternativa que ninguém conhece e das idéias furadas sobre intelectualidade. Discussão boa pra mim é sobre sabor de jujuba... Ou sobre como Paul McCartney perdeu o dente na década de 60.

Quando saio de discussões densas, tenho duas impressões: a de que eu sou mesmo muito chata e que preciso de álcool para ir até o fim. As duas impressões me deixam com dores de cabeça.

Pessoas leves são tão sutis ao se expor que você nem percebe a presença delas. Salvo pelo cheiro de baunilha ou de bala Soft que elas deixam no ar... Aquele cheiro doce e gorduroso dos parques de diversões, que ativam imediatamente os neurotransmissores de serotonina dos cérebros.
Quando falam, parece que tem uma sinfonia divertida acompanhando ao fundo essas vozes tão musicais (e sim, macias que nem um travesseiro). Não são monótonas como eu. São muito vivas e fazem gestos alegres, como que te chamando para o lanche da tarde. Adoráveis. E ponto.

Meu Deus, como eu adoro pessoas superficiais. São transparentes que nem água de nascente. Onde a gente nada, nada e nada, sem querer saber onde toda aquela pureza vai desaguar...
Acho que ficou profundo demais para um texto sobre superficialidades. É o que eu mais lamento às vezes. Não ser tão leve e etérea assim.

Conheci criaturas superficiais que são muito especiais em minha vida. Aprendi muita coisa com elas todas. Entre elas estão minha avó paterna; minhas amigas Tarsila e Jenny; minha tia Márcia; meu já falecido gato Fred; a escritora Lulih Rojanski e meu irmão Gabriel; a todos dedico este texto.
Valeu!

Listas: o fascínio – parte I

A lista traz uma espécie de ordem para a vida. Por um lado é fantástico. Lembro da minha época (áurea, para não dizer o contrário) do vestibular, em que elementos químicos, fórmulas físicas, acontecimentos históricos e regras (as velhas ) de gramática povoavam meus post-it`s e papéis usados (pois lista boa se cria em papel velho, como sacos de farmácia ou o próprio extrato bancário, por cima da marca d’àgua do banco). Não que fossem diminuir minha ansiedade ou provar que eu tinha conhecimento e lembrava da matéria. Afinal, não é nem um pouco bacana ver sua memória reduzida a pedaços de papel. Esquecer algo que estivesse entre alguma das listas era ultrajante. Era ser traída por mim mesma. E o mais engraçado é que nunca as usava para colar. Vai ver eu esquecia de usá-las ilicitamente em provas porque não colocava este propósito em lista nenhuma...Desde então, esta sina me persegue.
Uma das minhas explicações para o meu fascínio pelas listas é a desordem dos meus pensamentos. Meu cérebro é um fanfarrão. Prega peças em mim a todo instante. Por isso, adoro aquela sequencia de palavras, uma atrás da outra em fluxo... Aquela ilusão de organização... Aquele falso cuidado... Uma iminência de tomada de decisão.
Acho um barato a restrição que ela nos proporciona, no final. Por exemplo: “coisas que adoro comer”, “coisas que detesto comer”. Pode-se restringir: “coisas que não como que comecem com a letra D”. Lindo. Organizado. Quase chato. Um desejo intrínseco meu, confesso.
Esse tipo de coisa. Diria pra vocês que é um desafio fazer uma lista, no fundo. Imagina restringir a cinco itens as frases que a minha mãe mais falam que me tiram do sério. Pecaria ou por falta ou por excesso.
Mas existe um mistério acerca das listas (pelo menos as minhas) que nunca consegui desvendar.
Elas somem.
Sim. Inexplicavelmente, aquela compra de supermercado planejada e rabiscada some junto com a despensa do mês. E não, você não jogou fora junto com a caixa de cereais, você tem certeza. Seria mais fácil comê-la junto com eles...
Ou aquela pequena rota que foi feita para não se esquecer de pagar as contas, pedir cancelamento de carão ou ligar para a Dona Matilde. Você abre as gavetas no dia seguinte às tarefas e... pluft! A lista não está mais lá.
Minha conclusão não é o desfecho deste mistério, com toda a certeza.
De repente, algumas coisas de que lembramos é damos tanta importância não são assim tão relevantes para ficar no topo de nossa lista de lembranças.
É. Acho que dou muita moral pra caixinhas de suco que esqueço de comprar todo o mês.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Para tudo tem um tempo.

Por mais céticos que possamos ser, acreditamos em algum tipo de fluxo. Algum tipo de sucessão de acontecimentos, nas coincidências, na volta de Jesus, nas ações e reações, na justiça (ou injustiça). Que seja. Tem até aqueles que dizem que não acreditam em Deus, em Buda, em líderes, em oráculos... E, no entanto, acreditam em pessoas... Cada um com suas crenças. Eu, por exemplo, me considero bastante espiritualizada, mas não tenho religião. Acredito em várias coisas, e sim, em Deus. Desacredito em outras. Para tudo tem um tempo. Inclusive para eu deixar de acreditar em algumas e acreditar em outras.
E querendo ou não, é tempo de resoluções para o início do ano de 2009. Não seria eu a exceção insuportável e ridícula para dizer que não me importo com o ano novo que chega. Como todos os que sofrem, choram, passam por boas fases, aprendem, desaprendem, aproveitam e vivem a vida, tenho esperanças de pelo menos terminar o que começo e continuar a escrever minha história pelo planeta Terra.
Apesar de achar que ainda tenho muito pra fazer e pouco tempo pra executar, passei a acreditar que existem as épocas certas. Eu não acreditava em tempo bom e tempo ruim pra fazer o se quer. Tudo era muito aleatório pra mim. Pois, no fim, é difícil não querer tudo pra ontem. Sofrer de ansiedade. Manter válvulas de escape. Sofrer por antecipação.
Nesse ano que chega, espero só isso. Mais tempo. Não um ano, mas 365 dias. Assim, quem sabe teremos discernimento para perceber as várias épocas. Pensar um pouco no que fazer, no que dizer, no que esperar. Perceber as estações mudarem, ao menos.
Eu resolvi linkar pra vocês um vídeo de uma música que fala disso: de tempo, de ações (boas e más, pois humano é isso mesmo), de paciência e esperança. E fé também, por que não?

http://www.youtube.com/watch?v=EKHstR6ndus&feature=related


“Turn! Turn! Turn!” é uma música composta na década de 50 por Peter Seeger, que acabou sendo gravada por esses caras aí do vídeo, The Byrds, lá pela década de 60. Claro, acompanhava o ritmo de revolução, de mudança e esperança típicos desta década que ainda me encanta até hoje. Prova apenas que esperar pelo melhor nunca sai de moda; sempre está na iminência de voltar, como as pantalonas e os óculos grandes. Esta vesão é a mais conhecida e faz parte da trilha sonora de um dos meus filmes favoritos, “Forrest Gump, o contador de histórias” e agora, da minha vida. Foi baseada num trecho da Bíblia (Eclesiastes, 3.1- 8, não sei como funcionam essas divisões do livro, mas acho que é isso. É um livro do Velho Testamento, segundo as minhas fontes.). Aos dizeres do livro em que foi baseada a canção, apenas foi acrescentada a frase final: “a time for peace, I swear it's not too late”.
Confiram. Faz bastante sentido ao ser lido. E para quem tem o ouvido musical, faz mais sentido ainda quando cantado. Dá até vontade de dar uma dançadinha (tá, tá, confesso que eu que sou empolgada mesmo...)
Espero mesmo que entendam a mensagem. É o que espero de toda a minha vida. Mas, como nada pode ser tão perfeito assim, temos que passar por etapas: cada ano que termina e começa é prova disso tudo.
Acompanhem a letra também, ó:

To everything
Turn, turn, turn
There is a season
Turn, turn, turn
And a time for every purpose under Heaven
A time to be born, a time to die
A time to plant, a time to reap
A time to kill, a time to heal
A time to laugh, a time to weep

To everything
Turn, turn, turn
There is a season
Turn, turn, turn
And a time for every purpose under Heaven

A time of love, a time of hate
A time of war, a time of peace
A time you may embrace
A time to refrain from embracings

To everything
Turn, turn, turn
There is a season
Turn, turn, turn
And a time for every purpose under Heaven

A time to gain, a time to lose
A time to rend, a time to sew
A time for love, a time for hate
A time for peace, I swear it's not too late

To everything
Turn, turn, turn
There is a season
Turn, turn, turn...