terça-feira, 27 de agosto de 2013

A maior sensação do mundo

Pascoal morava só. Tinha um violão. Era o melhor violão do mundo. O som que fazia juntava-se à harmonia da solidão uníssona de uma cobertura daqueles bairros de classe média alta. Almoçava fora todos os dias. Restaurantes diferentes, vinhos refinados. Eram os mais caros, que traziam vigor e frescor ao seu paladar.Os livros de culinárias serviam apenas para a decoração. Aliás, o “apê” era decorado com mobília assinada e escolhida a dedo pela maior autoridade em design europeu do mundo. Seguia o I-ching na disposição dos móveis (que não é europeu, mas tudo o que é oriental ecoa o que é de melhor no mundo). Era o melhor apartamento do mundo. Tinha um emprego vitalício. Trabalhava as oito horas diárias exigidas pela lei trabalhista. Até preferia. Era perfeita a contagem dos seus dias. Calculava os quinze minutos pra ir, pra voltar, os sete da parada do café, mais oito minutos dos cumprimentos e acenos (Pascoal era simpático). Tudo contado, perfeito, cronometrado, simétrico, direito, correto, harmônico, regular. Ainda sobrava tempo para os lazeres da vida. Os melhores filmes, melhores livros, melhores canções. Era o melhor momento de todos. E controle era a melhor sensação do mundo. Certa vez, ao comprar seus tênis na melhor loja do mundo para fazer o melhor dos exercícios, deparou-se com uma cena que paralisou o sorriso plácido: uma moça chutava o caixa eletrônico, numa tentativa frustrada de recuperar algum dinheiro que havia perdido em algum mau uso da máquina.

 Mariana mal podia acreditar no que seus olhos viam na tela : “SALDO INSUFICIENTE”. Era, com certeza, o pior dia de todos. Não bastasse o despejo, não bastasse o emprego, as cordas do violão quebradas, a vida em pedaços, o coração em frangalhos... Era o pior momento de todos. E descontrole era a pior sensação do mundo. Na melhor das intenções, Pascoal ofereceu café, sorriso e companhia. Mariana aceitou, pois, na pior das hipóteses, sofreria por amor novamente. E o que seria novidade?

 Pascoal se rendeu ao ângulo perfeito do abraço de Mariana; os braços se encaixavam no torso de uma forma que nunca mais sairiam do lugar enquanto ele não pedisse. Mariana fotografava mentalmente o nariz vermelho de rinite que Pascoal tinha nos dias de chuva, trazendo à memória toda a ternura das lembranças de infância recheadas de maçãs do amor e corações vermelhos do caderno. Pascoal sentiria no perfume dela o cheiro exato de dama da noite. Ela se derreteria pelo sorriso torto de dentes pequenos dele. Ele amava o bife ao ponto que ela fazia. Ela se deliciava com o leite empelotado que ele não sabia fazer. Pascoal achava que Mariana era a mulher mais bonita do mundo. Mariana achava que Pascoal era o pior violonista do mundo. Mas era o mais charmoso, o mais terno, o que fazia a melhor sopa e o que mais se importava. Mariana era a mulher mais feliz do mundo, tinha o melhor namorado de todos. Nunca havia sido tão feliz em meio tanta imperfeição. Estava apaixonada. E esta era a melhor sensação do mundo.

Já Pascoal viveu a pior crise de ciúmes quando ela atendeu àquela ligação. Sentiu que era o último dos homens quando um dia a fez chorar. Sim, Pascoal era o pior mentiroso do mundo quando quis esconder seu amor por Mariana. Nunca havia sido tão miserável em meio a tanta perfeição. Estava apaixonado.

 E esta era a pior sensação do mundo.