sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Coração de prata.

Todos os dias, Joana mirava o gradeado da janela e detestava o sol passando entre ele. Iludida, sonhava com dias menos ensolarados. Pensava que o sol brilhava muito forte em sua cabeça, e que haveria algum lugar no mundo onde ele não brilhasse tanto assim a ponto de queimar seu cabelo...
Gostava de imaginar o lugar nublado, em que choveria todas as horas, aumentando a possibilidade de um possível amor oferecer carona num guarda-chuva. Como naqueles filmes, aquelas comédias cheias de atrizes de pele muito branca e jovem, que nunca se bronzeiam. E se o fazem, no máximo debaixo de um guarda-sol, chapéu e paparazzi. No Caribe. Uma vez ao ano.
A caminho de seus caminhos sem o menor objetivo, lá ia Joana suando debaixo daquele dourado sem fim... E nem de dourado ela gostava. Achava o prata mais chique, mais prático, de brilho elegante e realista. Lembrava dos prédios de uma cidade grande, de janelas espelhadas ao meio do dia e sonhava (no calor dos pensamentos, literalmente, sob o sol) com o prateado da evolução. “Dourado cansa. Prateado dança”, concluía.
Um dia, começou a chover. Sem pensar duas vezes, ao sentir os pingos nos braços através do gradeado, Joana resolveu sair pra finalmente refrescar suas idéias de panela de pressão.
Pingo a pingo, a chuva lambia o rosto moreno da garota de prata no coração. Lavou os cabelos, o corpo que já não era molhado de suor e a alma de sol entre nuvens. Todo aquele indício de dourado cansado ia dando lugar a uma dança de pingos muito prateados.
E foi assim os outros dias. Aquilo que era ouro virou prata. Não que valesse menos, mas, cá entre nós, Joana anda com um olhar tenebroso estes tempos. Vai ver o sol se cansou de ver sua alma sempre nublada.

sábado, 22 de agosto de 2009

Ensaio sobre a trilha do amigo

Amigo não pede licença pra entrar na sua vida. Que nem as canções e as trilhas sonoras. Canções e amigos são tão fundamentais para mim que me senti tentada a relacioná-los. Pieguices à parte, dedico a cada um de meus amigos uma canção individual. Pode ser ela conhecida ou simplesmente inventada...

Um amigo trilha de circo sempre aparece num momento da sua vida. Que é desajeitado, faz piada sem querer, pensa que atrapalha, possui uma ingenuidade quase irritante e diz ter sempre a impressão de que estamos rindo dele (mas é sempre com ele, afinal, é amigo). No fim das contas, é tão amado que chamá-lo de “palhaço” (guardada, inclusive, a devida poesia) é quase uma ofensa.

O eterno amigo jazz... Clássico no andar, de variações complexas, passos às vezes inacompanháveis, voz empostada e em tom de bronca, presunçoso e de uma profundeza assustadora. Amigo assim é indispensável para os momentos de solidão, pois é ele que te apresenta à solitude e te ensina a se bastar. Ele te entende. Ele sabe o que é ser sozinho e atura sua chatice porque, no fundo, ele é um verdadeiro chato também. E você o ama porque ele te acompanha até em elevador.

Amigo canção popular. Se você não tem, Deus queira que um dia você tenha. Diz uma canção popular que “uma canção faz nascer o sol no coração da pessoa”. E assim é este tipo de amigo. Não importa se seu dia foi um desastre, se você está de tpm ou simplesmente você não está para ninguém no momento. Ele vai sim chegar sorrindo, vai sim senhor te fazer levantar da cama com o “oooooooooooooooooiiiiiiiiiii” dele. Ele pode até ser inconveniente, mas é como tocar “You are the sunshine of my life” em uma reunião de executivos sisudos. Uma risada será ouvida lá no fundão... A voz dele é quase um solo de teclado de tão divertida! Contagia, te ensina a sorrir grande e é pura alegria. E por mais brega e popular que ele seja, você o ama. A não ser que você seja um cretino.

Amigo rock ‘n roll. Aparece na sua fase rebelde e vocês deixam o cabelo crescer (ou cortam a juba de vez) juntos. Aliás, vocês fazem muitas coisas juntos. Mas tanto que os outros pensam que vocês tem um caso, e isso não importa de que sexo vocês sejam. Aí chega uma hora em que outros amigos entram na roda... A turma vai ficando grande e a magia acaba... Como os Beatles, vocês trilham outros caminhos. Talvez não tão felizes ou tão produtivos como na época em que estiveram juntos. As lembranças ficam perdidas no tempo, viram saudosismo e, mais que de repente, vocês se encontram em algum Orkut da vida anos depois... E quando você escuta um vinil empoeirado, vendo aquelas fotografias em que vocês aparecem de preto, com unhas pintadas e cortes de cabelo duvidosos, percebe que sempre pertenceram um ao outro e que aquela época jamais voltará. Você o ama porque ele guarda suas lembranças.

Amigo micareta é uma farra. É ele que te leva a lugares que você nunca imaginaria pisar. E nas maiores roubadas também. Hiperativo, elétrico, de voz estridente que nem cantor de banda de axé. Entra nos lugares dançando, e parece que sempre está seguindo um trio elétrico. Ele articula seus encontros, apresenta os possíveis amores e as maiores decepções. Pura diversão: te promete as melhores noitadas e as piores ressacas. Mas poucas vezes no ano, porque carnaval a toda hora é meio sacal...Geralmente você para de beber e de dar vexame depois que ele sai de circulação... Você o ama porque ele torna a felicidade possível e até um pouco barata, considerando o preço da cerveja...

Amigo pode ser uma canção. Não sabemos de que são feitos exatamente. E, se soubéssemos, assim como os que estudam música e não possuem o menor talento, correríamos o risco de perder toda a poesia deste mistério.

Os que estudam dizem que canção é letra e melodia. E que amigo é a família que a gente escolhe.
Os que sentem devem dizer que canção é sentimento. E que amigo é amor que se explicado, não faz o menor sentido. Pura empatia.

Os que estudam dizem que uma canção se aprende com notas e técnicas aprendidas. E que amizade se cultiva.
Os que sentem falam apenas que “essa música é foda!”. E que seus amigos também são.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O tempo passou um pouco, voltei para casa e esquecemos de registrar muitas das outras frases dele. Me esforcei bastante para lembrar destas e, conforme for lembrando das situações, vou postando por aqui. Prometo me dedicar à estas lembranças.
Estas frases são mais recentes e a maioria delas eu presenciei. Percebi que idade trouxe mais complexidade às questões... E mais audácia também.

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“- Luciano, que tal tu tomares um banho?
- E que tal eu tomar conta da minha vida e tu tomares conta da tua?”

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Numa ajuda com o dever, uma discussão sobre os transportes em Macapá:
“ – Aaah, Luciano, sei lá... Coloca aí: um metrô em Macapá seria mais uma alternativa de transporte...
- Ei: até um cavalo seria mais uma alternativa de transporte, dã...”

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Estou procurando um emprego. Deixei um currículo na escolinha dele para dar aulas de inglês para as crianças. Quis saber (para arrependimento futuro, claro) a sua opinião a respeito.
“- Sabia que eu levei um currículo lá na tua escola?
- (pausa para pensar)... Hum... Pra quê?
- Pra dar aulas de inglês pra ti e pros teus coleguinhas, oras...
- Eu já tenho uma professora de inglês...
- Pô, Lu... Valeu pela força, hein...
- Não! Não é isso! Só não quero tirar o emprego de ninguém, né?”

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Ainda sobre o currículo, quando ele voltou às aulas neste semestre, quis saber como andavam as coisas...
“- E aí, Luluca? Me conta das aulas... Já tiveste aulas de inglês neste semestre?
- Já! Foi hoje!
- E a professora? É a mesma do semestre passado?
- Sim! E ela também dá aula de informática, Educação e Cidadania e mais uma coisa lá...
- Poxa... Essa professora é muuuuito sobregarregada, hein?”
E ele, acho que subentendendo minha intenção de influenciar sua opinião sobre dar aulas para ele, respondeu na minha cara:
“- Pois é... Ela tem um ótimo currículo, hein...?!”

Primeira seleção

( as frases a seguir são desta época, 2005)

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Quando avisado que ia ficar com a avó:
“A senhora errou, mãe. Vó não fica com filho. Fica com neto. Ela tem é que ficar com o papai.”

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Quando minha mãe trabalhava no banco, uma das desculpas que ela usava para sair para trabalhar era que “o cliente” estava lá esperando por ela. Certo dia, ele ligou para o banco e falou com ela:
“Mãe, deixa eu falar com o cliente para ele deixar você voltar para casa?”

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Desde muito neném, Luciano sempre foi louco por água de coco. Certa vez, meu pai estava falando do sítio do meu tio, o qual ele tinha visitado no fim de semana.
“ - ...tem cajueiro, cupuaçuzeiro...”
E o Luciano completou:
“- ... ‘água de cocozeiro...’”

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“- Pai, o senhor sabe fazer gemada?
- Sim... Bate a clara, aí coloca a gema do ovo, açúcar...
- Aaah, o senhor sabe! Então faz uma pra mim?”

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De repente, na cama:
“-Ora, ora, ora... O lápis não é da senhora.”
(o primeiro verso rimado que ele fez)

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“- Pai, sentir é fazer o quê?”

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No dia do aniversário de 4 anos, minha mãe diz a ele:
“- Parabéns, já tem quatro anos o meu bebê!”
E ele, sabiamente responde:
“- Eu não gostei de crescer.”

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Mamãe comprou um cofrinho para cada um dos meninos e disse:
“- Olha, ninguém pode mexer nas moedas porque isso já é pro natal de vocês.”
E ele:
“- O Papai Noel agora é pago, é?”

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Aí a mãe deu um sermão antes do Natal, pois de criança danada a gente nunca escapa:
“- O Papai Noel não gosta de menino que não obedece, não escova os dentes, etc...”
E ele:
“- O Papai Noel não se mete nisso tá? Ele é o Papai Noel, dã!”
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Deixei por último a que mais me emociona quando leio e me faz perceber o quanto cortar o cordão umbilical é uma tentativa frustrada de nos fazer independentes.
“ – Mãe, antes de eu nascer eu era triste porque eu ainda não tinha mãe. O ‘papai do céu’ não sabe cuidar de bebê.”

Uma lista especial

Criança é uma dádiva. Lembro-me muito bem de ter sido uma criança muito quieta, pouco artista e fácil de enganar. Vejo hoje o quanto eu era uma criança sem graça, isso sim. Mamãe lembra de poucos momentos e tiradas minhas. Acho que era porque eu tinha muito medo de falar e conversar com adultos. Acreditava em uma hierarquia, uma superioridade que permeava o mundo adulto... Acredito que, quando era criança, não queria ser criança. Queria ser adulta para poder participar daqueles grandes debates regados àquela bebidinha amarela e amarga (vai dizer que você nunca provou do copo escondido???)... Adultos, para mim, eram super-heróis. Meu conceito de felicidade estava na roda de adultos conversando.
É. Eu continuo ainda muito fácil de enganar.
Diferente de meus irmãos, que sempre foram muito espirituosos, falantes e espertos quando pequenos. Não lembro de muitas coisas dos dois mais velhos, pois era muito chata e não me deslumbrava com coisas muito simples (ai, a adolescência... O rito de passagem mais doloroso que tive) quando eles nasceram e tiveram seus momentos, por isso não curti muito (com pesar, hoje percebo) as infâncias dos dois.
Mas o mais novo é o que possui a maior quantidade de frases, conceitos, cenas e tiradas que estão frescas em minha memória.
Durante minha ausência em casa durante um ano (fui morar em Campinas em 2005), senti muito não ter visto uma das fases mais incríveis dele: os 3 anos, onde as dúvidas surgem, o vocabulário se desenvolve e a necessidade de se comunicar traz definições de palavras e construção de frases no mínimo interessantes para um universo tão pequeno ainda.
Neste período, minha mãe teve a brilhante idéia de registrar em sua agenda as frases mais fofas e as perguntas e situações que englobavam a ingenuidade e a curiosidade de uma criança de 3 anos.
A partir de agora, postarei as frases mais célebres e as situações mais memoráveis que passamos com ele e continuamos a passar, pois a idade está trazendo cada vez mais a capacidade monstra de nos surpreender.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tendências: parte 2

Depois de escrever o post anterior, recebi dois comentários que sugeriram que eu tivesse um pouco mais de ponderação ao lidar com assuntos delicados.

Foi enfatizado, segundo Arthur Melo, em outro quadro de comentários, que, ao "enquadrar todo mundo que se diz depressivo/bipolar/boderline no mesmo grupo dos que querem estar na moda, dos que exageram ou simulam sentimentos, é perigoso, pois a denotação poderia se estender àquelesque realmente precisam de ajuda."


Se houve mais mal-entendidos do tipo, peço desculpas a quem leu, realmente não foi a intenção.

Respondi em um dos comentários que "assuntosdelicados" são reais e que a realidade não fica cheia de dedos ao nos atingir. Por isso não tenho muitos freios quando escrevo.

Acho que ainda vou escrever muitas retratações por aqui...

Mais uma vez, desculpem o mal-entendido.

sábado, 8 de agosto de 2009

Tendências

Tá na moda ser depressivo. É fashion ser bipolar. Quem não tem terapeuta, é antiquado. E quem não toma um ansiolítico de vez em quando, não está antenado. Quando foi que a felicidade se tornou um artefato de brechó, minha gente? Aquela peça que no passado todo mundo tinha, mas que com o passar dos anos acaba ficando over demais e para num lugar onde é estocada e oferecida pra um ou outro admirador de antiguidades, a preço de banana.

A grande tendência é não ter esperança. A dor é mais vistosa. A dor desfila na passarela, com as costelinhas e os ossinhos da bacia saltando, dizendo que ser culto e sabido já basta. Amor, paz de espírito e alegria de viver (saúde mental, por assim dizer) a gente encontra em maços de cigarro ou em caixinhas de Lexotan.

O lado negro deste modismo é o exagero, como em todo modismo. Ser indivíduo já é uma carga muito grande.
Um indivíduo individualista e intrínseco é um perigo...
Não sei quanto a vocês, mas mergulhar em minha própria mente não lá das tarefas mais agradáveis pra mim. Tá. Também não é das mais assustadoras; afinal, não sou tão ruim e tenebrosa como pareço (ou talvez já esteja acostumada...). As mazelas da alma te levam a um estado contemplativo de si mesmo. É como usar um pijama na rua... Uma hora vão te chamar atenção a respeito. Ninguém quer uma pessoa de pijama ao seu lado no ônibus. Nem um “depressivo/bipolar/ansioso/... por hobby”, destilando por aí todas suas queixas de mundo imperfeito...
Isso inclui os top top do in: os que tem olheiras. São endeusados. Os Bündchen de todo esse surto de transtornos mentais. Olheira é sinal de problema. Quem tem olheira não dorme. E, sinceramente, pra mim, quem não dorme não é normal... Mas, fazendo par com o lápis preto esfumaçado e uma sombra com a cor da última estação, elas fazem a cabeça desses fashionistas.

Bom. Eu posso estar meio fora de moda. Ou simplesmente adotar alguns destes itens da moda atual sem me declarar escrava (igualzinha a minha redenção ao jeans saruel e o boyfriend). Na verdade, eu gosto mesmo é de uma boa havaiana azul e branca, toda carcomida, que fica na porta da minha casa e serve pra tudo.

A felicidade pode ser meio démodé pra alguns (ainda usam essa expressão????). Mas eu acredito que ela seja mesmo vintage... E, que eu saiba, o vintage ainda continua em alta.
Então, que venha a primavera, suas flores, o cor-de-rosa, batom vermelho, a alegria plástica dos anos 50 e , claro, a felicidade.