segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Da série “detalhes” - O ESGOTAMENTO DA SENSAÇÃO


Fonte: Getty Images

- Encher a barriga de água e ir comer.
- Desistir de escrever, seja lá o que for.
- A desistência em si.
- Dedos enrugados de água.
- Nariz vermelho, de espirro ou de choro.
- Barriga doendo de gargalhar.
- Baba de cachorro.
- Desligar a TV.
- Beijo seguido de beijo.
- Olhar para o teto.
- Briga de segunda.
- Flerte de sexta.
- Infidelidade de sábado.
- Solidão de domingo.

Toda sensação tem sua hora de esgotamento.

Da série “detalhes” - A SENSAÇÃO DO ESGOTAMENTO


Fonte: Getty Images

-Matar a sede de água.
- Dormir em cima de livros ou escritos.
- Barulho de chuveiro.
- Lágrimas de crise de espirro.
- Lágrimas de crise de riso.
- Lágrimas, enfim.
- O olhar inchado do choro.
- Beijo seguido de suspiro.
- Desfalecimento em abraço.
- O sofá e as boas-vindas do cachorro.
- Programa de vendas na madrugada.
- Fim de segunda.
- Começo de sexta.
- Briga de sábado.
- Ressaca de domingo.

Todo esgotamento deixa uma sensação.

Alta infidelidade

Estavam tomando vinho há muito tempo.
- Hum... Acho que nunca disse o quanto gosto das tuas sombrancelhas... Parecem desenhadas no teu rosto...
- Talvez porque as sombrancelhas sejam o desenho do rosto.
Jaime era lento com elogios. E metáforas e comparações. Já Sofia era péssima em fazê-los.
- Teus olhos são esverdeados, não é?
- Eles tem cor de avelã.
- Que cor tem a avelã?
- A cor dos meus olhos.
A noite ia adentro também questionando aquele encontro tão improvável. Ele tinha um berimbau na sala, almofadas indianas e uma quedinha por ela. Ela vestia preto, estava de colar e apaixonada por ele. Jaime despistara a namorada naquela noite. E Sofia topara ir até o apartamento. Àquela hora, a conversa não havia saído. Nem com as duas garrafas de vinho. A verdade era que os dois eram muito difíceis.
- Gostas de poesia?
- Prefiro histórias. Curtes Raul?
- Prefiro Renato Russo. Bob Dylan?
- Bob Marley. Godzila?
- Jurassic Park. Alegria?
- Quando chove. Agonia?
- Em dias quentes. Fantasia?
- De pirata. Tara?
- De espanhola. Cantar?
- Dançar. Cultura pop?
- Anos 80. Herchcovitch?
- Cavallera. McCartney?
- Em Helter Skelter.
Pausa longa. Neste momento a sala acabou por iluminar-se. Era o clima perfeito.
- Cama ou sofá?
- Sofá. Agora.
E assim eles se entenderam.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Criam-se homens

Para terem coragem. Honrarem sua palavra. Assumirem o compromisso de serem o que são. Defender. Criam-se homens por um motivo maior. Nós.
Criam-se homens para abrir a porta do carro. Para saber se estamos famintas. Para nos dar de comer, por mais que os olhos gulosos sejam os deles.
Criam-se homens para construir nossas casas. Elogiarem nossa comida. Para dizer que o vestido é que está curto, nunca o cabelo. Ou para dizer que não precisamos de maquiagem.
Admirarem nosso formato. Gostarem da doçura de nossos perfumes. Criam-se homens para cuidar do mundo. Do nosso mundo.
Acima de tudo, para serem dignos do amor. Do nosso amor, pois é o maior desafio dentre tantas missões destinadas a eles.
O mundo deles é cão. O nosso é caos. Criam-se homens para serem não nossos príncipes, mas nossos cavaleiros. Homens são criados no formato ideal para as mulheres.
Aqui eles são necessários. O mundo criado por eles é inadequado para nós. Mulheres precisam de homens. Porque o chuveiro, a porta e a lâmpada não se consertam sós quando quebram.
Nós também. Por mais que tenham sido por suas mãos brutas.



Nota: Este texto é um presente de aniversário. Ele vale por toda a admiração e carinho que tenho por ti. Obrigada por existir!

domingo, 1 de agosto de 2010

Paladar

Ele tinha um mar em sua boca. Era um gosto muito salgado de mágoa (o mar tem mágoa de não ser oceano...). Foi o beijo mais triste que já provei, até em momentos felizes.
E a língua morna (nunca de Mar Morto) que se contentava apenas com o meu céu, hoje dançou por outra galáxia. E lá conversou com as estrelas, descobriu seus planetas e lhe prometeu outras luas. Mas não ao meu universo... Um universo todo feito de açúcar e canela. E a sede? Era infinita. Não passava. Era sede de mar... Daquela que resseca por dentro...
Mas água salgada não mata sede de ninguém. Água salgada não é potável. Ele me disse, com ares de poeta bandoleiro (a pior espécie que pode existir entre os poetas fajutos) que eu era doce demais. E doce demais enjoa e dá dor de barriga. Assim, liricamente...
E me perguntam sobre a acidez das palavras, como se não soubessem dos finais de todos os romances da vida. É porque o doce, alguma hora nessa vida, acaba por azedar...

terça-feira, 18 de maio de 2010

Cheio das intimidades

Sempre escuto dizerem que a etiqueta, quando se trata da vida a dois, acaba se tornando impraticável. Bem. Tenho uma teoria. E um culpado também. O banheiro, senhoras e senhores.
Até hoje me pergunto: “Como é possível um casal dividir um banheiro?”. Este ato vai contra a prática do amor. Sério. Não deveria ser permitida esta divisão. Aliás, uma lei se encaixaria muito bem aí, pra proibir este ato. Estaria previsto no código penal, com o caráter hediondo... A pena seria dividir um banheiro pro resto da vida!
Não precisam ficar chocados. Dentro dele existem coisas piores. O banheiro foi feito pra isso. Imaginem só: aquela cebola debaixo do braço, o esgoto da boca e o queijinho do pé... Onde iriam parar? Debaixo da cama? Dentro do fogão? Errado. É lá. Naquele lugar insólito muitos problemas são resolvidos.
Porém, ao resolvê-los, este lugar guarda os nossos mistérios. O segredo do batom e da lingerie “levanta-e-segura-tudo-pelo-amor-de-deus!”, por exemplo. E não se deixe enganar pelo perfume de eucalipto e a suposta assepsia da louça branca: todas as saus fraquezas estão lá... Sim... Na tampa levantada, na calcinha pendurada, naquele barulho típico e na descarga que vai sim te denunciar.
Exemplo maior é o próprio banho. O banho é um ritual muito broxante, quando realizado pra sua verdadeira finalidade, que é a limpeza corporal. Não somos atores pornôs, não é tudo esfregação e sacanagem. É bucha pra tirar excesso de pele, gilete pra tirar excesso de pelo, aquelas duchas constrangedoras, prêmios de xampu, cantorias desafinadas e aquele monte de espuma ridícula no cabelo. E há de se refletir que touca de banho não é nada sexy. Agravante pra homens. Pior se forem carecas.
De certa forma, este lugar da nossa vida acaba sendo a maior passagem pra intimidade. E totalmente necessário. Percebam o esforço absurdo que deve ser achar aquele cara fedido e sujo depois da pelada ainda o homem da sua vida. Ou aquela pobre coitada com as pernas peludas e cinco dedos de raiz a retocar no cabelo ainda a mulher que você quer passar o resto dos seus dias junto... Viva o banheiro, então?
No fim, confesso ter uma admiração tremenda pelos que deixam seus amores invadirem este cômodo tão íntimo e obscuro de suas vidas.
Rachar a conta, meu amigo, é mole.