segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A série de uma não-detalhista

Acho que vou mudar o nome do blog de “quarto” para “confessionário”! Tem sempre algo pessoal envolvendo isso aqui. Nem queria que fosse, mas...

Pois bem, dessa vez, escrevo sobre detalhes. Não!! Não é mais uma das listas às quais vocês estão acostumados... Listas, inclusive, que me renderam elogios, mesmo de pessoas que não deixam seu comentário e endereço pra contato; porém, sei que são bons leitores e freqüentadores desse cantinho aqui...Obrigada! Sempre pensei que um dia a série “detalhes” fosse ter fim por simples falta do que escrever. Mas a cada comentário e sugestão, percebo que ainda há muito a “detalhar” em listas...

Mas a princípio, queria esclarecer que “detalhes” é uma série que não tem a ver comigo, se vocês tomarem ao pé da letra. Não parece, mas eu sou a pessoa mais generalizadora que vocês podem conhecer. Nunca fui atenta a detalhes; eles me passam de forma despercebida, pois sou muito distraída... Esse é um dos motivos pelos quais eu faço listas: para lembrar o que pode me fugir à razão.

As pequenas coisas da vida, os pequenos prazeres nunca foram detalhes para mim, na verdade! Fazem parte do meu dia-dia, assim como ir para a faculdade. Acredito que tudo o que listo na série é muito habitual para mim. Assim como para Arnaldo Antunes, acho que “as coisas têm, peso, volume, tamanho, tempo, forma, cor, densidade, cheiro valor...”. Isso não é detalhe nenhum, queridos. É comum. Se sentirmos que o cheiro de alguma coisa é um detalhe, não é diferencial. É insensibilidade. O cheiro está lá para ser sentido...

Agora: por que o nome da série é “detalhes”? Por um acaso teria o mesmo efeito sobre vocês se tivesse o nome de “série coisas comuns que eu acho que deveriam ser comuns para todos”? Foi impossível escapar desse termo... É acessível, direto e todo mundo entende...

Bem, no fim, tudo isso é para esclarecer de vez que eu não sou uma detalhista. Detesto esse tipo de rótulo. Detalhistas são metódicos, chatos, organizados, racionais e chatos outra vez. Então, deixo uma pergunta pra vocês pensarem a respeito: o que é o detalhe perto da sensibilidade das minúcias?

Um detalhe pode ir muito além do hábito. Mas nunca vai alcançar a plenitude de quem é sensível. Um detalhe, para mim, continua sendo um detalhe.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

da série "detalhes" - A EXPRESSÃO DA FELICIDADE


- Fazer as pazes e ir dormir tranqüilo
- Sorrir para o espelho de manhã
- O olhar cúmplice de depois do amor
- Dançar sem nenhuma vergonha a música favorita (dentro do seu quarto, claro...)
- Engolir o vento que sopra na frente da cidade
- Bolhas de sabão
- A liberdade do pára-quedista
- O aroma de vida que têm os bebês
- O gosto de fermento fresco que tem o pão que a minha avó faz
- Os intermináveis mantras de “My sweet lord”
- As ruguinhas dos cantos dos olhos azuis de Chico Buarque
- As cores das jujubas
- A obra inteira dos Beatles*
- Afinidade logo de cara
- Canções da infância
- Definitivamente, o “Yellow Submarine”
- Início do show da sua vida

Expressões de felicidade podem ser mais longas que a própria felicidade.

* Citar Beatles em uma lista é tão cretino... Parece um tanto simplório, mas espero que entendam que esta foi uma tentativa de incluí-los e registrá-los em tudo o que faço cada vez mais...

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

da série "detalhes"- A FELICIDADE EXPRESSA


- Ganhar uma discussão
- Uma dose a mais
- Barriga cheia
- Acordar com o despertador, perceber que é feriado e voltar a dormir
- Cheiro de Vick Vaporub
- Gosto de uva artificial
- O musical final de “Grease”
- O último dia da menstruação
- Os vocais do Beach Boys em “God only knows”
- Achar várias jujubas vermelhas num pacote só
- Barulho de fritura
- Banho frio ao meio-dia em Macapá.
- Cheiro de açaí novo
- Achar algo que havia se perdido quando se está procurando outro algo
- O sorriso inconsciente do recém-nascido
- Paixão de verdade
- Fim de um filme bom
- Orgasmo

Felicidades expressas são mais curtas que a felicidade.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ter sorte e ser forte

SER MAIS QUE ALGUÉM, É SORTE.


SABER MAIS QUE ALGUÉM, É FORTE.


SABER MAIS, É SER MAIS QUE SI MESMO.

(por Naiara Martel, que não é forte nem tem sorte)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Nº 3

Saulo adorava sentar naquela cadeira à esquerda, dentro do ônibus, atrás do motorista. Era mais alto de lá, mais perto da porta, da janela, e, no mais, era Seu Lugar. De Seu Lugar saíam poesias, idéias, monólogos e até palestras.
Pegava o ônibus sempre no primeiro ponto, depois que saía da garagem. Sentava em Seu Lugar e ali permanecia, curtindo aquela meia hora de meditação.
Um dia, ao subir no ônibus, deparou com uma surpresa enrugada: um velhinho sentado em Seu Lugar. Cabelos brancos, devidamente agasalhados no chapéu xadrez, roupinha de missa e um pacote de remédios. “Típico...”, devaneou Saulo. Inofensivo? Não para Saulo. A cada ponto que passava, seus pensamentos se desordenavam. Em pé, bem ao lado de Seu Lugar, ondas de raiva começavam a passear pelo seu corpo. Iam à sola do pé e arrepiavam sua espinha. Num ciclo cada vez mais rápido, as ondas só o faziam pensar que ele precisava arrumar um lugar para o ancião audaz. E rápido! Entre uma onda e outra, pensou em simular um desmaio, puxando o casaco do seu adversário e suplicando misericórdia. O plano foi abaixo quando o velhinho tossiu feio e de verdade, despertando a comoção da maioria dos passageiros no ônibus. “Sem Meu Lugar, espremido por esse monte de gente acudindo o velho e ainda em pé!”, praguejava sincero e aflito.
Até que o veículo pára. Estanca na frente de outro ponto de ônibus. “É. Deu prego.”, sentenciou o motorista. Saulo sai do ônibus com cuidado, sempre olhando para trás, deixando a confusão com o velho doente e sua tosse ameaçadora.
Logo avistou outro ônibus. Fez sinal. Entrou pela frente e, com o coração palpitando, viu Seu Lugar vazio. Estava intacto.
Aquela meia hora passou leve, lenta e deliciosamente prazerosa. Era impossível esconder o sorriso dali de cima.
Saulo transbordava felicidade.

Nº 2

Jade, 5 anos, no banco de trás do carro, estava eufórica. Brincou a tarde inteira, compraram sua boneca favorita e ainda comeu na lanchonete que vende brinquedos e dá sanduíches de brinde.
Tarde mais perfeita que esta nunca existiu nem existirá na sua vida.
Jade, 10 anos, no banco de trás do carro do seu pai, estava encantada. Apresentou-se a tarde inteira no festival de dança e ganhou uma estrela de “Pequena grande dançarina”. E ainda comeu na lanchonete que vende brinquedos e dá sanduíches de brinde. Mas desta vez, preferiu sem picles.
Tarde mais perfeita que esta nunca existiu nem existirá na sua vida.
Jade, 15 anos, ao lado da sua mãe no carro, estava apaixonada. Beijou a tarde inteira, passeou de mãos dadas, tomou Milk-shake dividindo o copo... E ainda comeu na lanchonete que vende brinquedos e dá sanduíches de brinde. Guardou o brinquedo para seu irmão mais novo.
Tarde mais perfeita que esta nunca existiu nem existirá na sua vida.
Jade, 25 anos, dirigindo seu carro, estava bêbada. Bebeu a tarde inteira, falou bobagem, pagou mico no chá de panela e acha que beijou o stripper da sua despedida de solteira. Acabou de ser promovida no trabalho. Mas não lanchou na lanchonete que vende brinquedos e dá sanduíches de brinde porque estava de dieta.
Tarde como esta...
E Jade, 75 anos, na cadeira de balanço, estava velha. Bordou a tarde inteira, dormiu e sonhou com o paraíso. A lanchonete que vende brinquedos e dá sanduíches de brinde já havia falido. Mas ela se lembra do grande “M” amarelo num fundo vermelho. Lembrou também das tardes mais perfeitas que já existiram e nunca mais existirão na sua vida.
Aí, enfim, foi a tarde perfeita.

Nº 1

Dentro da saladeira, aqueles camarões graúdos e rosados que imploravam maionese, roubavam o aroma das ervas frescas. Eram um espetáculo à parte: croutons dourados que dançavam em manteiga derretida, fazendo um barulhinho estalado que sugeria a textura.
Sílvia acompanhava tudo, vigiando o macarrão com desconfiança de esposa. Um minuto a mais e o ponto ia-se embora. Macarrão é um prato carente. Exige atenção redobrada para satisfazer o nosso paladar. Um descuido ou atenção demasiada para o molho e, traição! Escorrega mesmo.
Depois do jantar pronto, ela arrumou a mesa como no restaurante. Velas, flores e a melhor prataria. Vestiu seu melhor vestido e serviu o próprio prato. Então comeu. Mas saboreou os detalhes. Sentiu os aromas com menos pressa que o normal. Permitiu-se sujar o vestido com molho e desbotar o batom dos lábios. Usou guardanapos de seda. Sabia que não iria utilizá-los depois.
Sílvia levantou-se devagar da mesa. Com os olhos marejados, apoiou-se no balcão para despedir-se daquele santuário, o seu local de trabalho. Era óbvio. A cozinha sentiria também a falta das mãos delicadas arrumando o balcão para os homéricos espetáculos gastronômicos ali realizados. Também as sopeiras sentiriam falta do suor adocicado que provocavam nas têmporas de Sílvia. As facas já preferiam ficar cegas a não acharem mais os dedos finos e distraídos. E o fogão... O mais sentido de todos. O que penetrava sempre a intimidade, aquecendo-lhe a barriga... O avental perdeu a forma acinturada, pendurado flácido na área de serviço...
Foi uma penosa despedida. E num lance de vertigem, a cozinheira condenada pelo câncer sentiu o peito apertar, a jugular dilatar e o ar lhe faltar. Como sempre, em tudo na sua vida, o coração falou mais alto. Mais alto que o tumor. E mais alto que a tristeza, pois seu último pensamento dizia: “O macarrão estava perfeito. A salada de camarão foi a melhor que comi em toda minha vida.”
Sílvia era alérgica a camarão. E sabia disso.

Fragmentos de felicidade expressa

Felicidade expressa é aquela felicidade de segundos, minutos, no máximo um dia. É aquela boa sensação de vitória quando ganhamos uma discussão besta. Aquele sorrisinho de lado que esboçamos aos excluídos quando passamos para uma área VIP. Ou o alívio que antecede a culpa por comermos um doce a mais ou fumarmos um cigarro a mais. Era pra ser um estado contemplativo. Era pra ser curtido sem culpa nenhuma. Mas é tão curto, dura tão pouco, que nem estado é considerado.
Imagino se um dia, por estarmos cansados da busca pela felicidade, começássemos a juntar todas essas passagens da alma humana que nos acometem em um fragmento único. A busca sofrida pela felicidade acabaria, com toda a certeza. Livros de auto-ajuda juntariam poeira nas prateleiras. Consultórios terapêuticos ficariam mais vazios que a própria proposta da terapia. E seria felicidade para jogar fora por aí. Daria até dor de barriga.
Logo, logo, a idéia inicial de felicidade expressa estaria acabada. Mais uma das minhas teorias furadas.
E em mim se instalaria um profundo vazio criativo.
Seguem, em três partes, fragmentos de felicidade expressa. Ou talvez expressões de felicidade apenas. Entendam da forma que acharem melhor.