terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nora e Samuel (ou “Everylasting Love”)

“Open up your eyes, then you'll realize.
Here i stand with my everlasting love
Need you by my side.
Girl to be my pride.
Never be denied everlasting love.”

NOTA DE ESCLARECIMENTO: Tenho o péssimo hábito de não olhar o que o blogger fez nos textos depois de postá-los aqui. Uma espécie de negligência que antes até achava charmosa, mas agora comprometeu um dos textos. Este, que é tão importante, acabou sendo vítima da minha distração e da minha total inabilidade com atalhos do Office. Postei apenas o final do texto... Mil perdões, pessoal. Segue o texto na íntegra.
Antes do vinho barato ou da ceveja quente. Antes das malas arrumadas. Antes de ver o pôr-do-sol. Antes de criar um gato. Antes do buraco na alma.
Antes que a floricultura feche, da última sessão do cinema, que a bateria acabe.
Antes que seja tarde, que todos os que existem por aí no mundo se deem conta de seus amores perpétuos.
Abram seus olhos...
E poupem os ouvidos de seus amigos...

Samuel (ou “Everybreath you take”)

“Every move you make
Every vow you break
Every smile you fake
Every claim you stake
I'll be watching you”

Eu o achava um otário. Ligava demais, era grudento, queria sempre dormir na minha casa. No início, fiquei maluca com aquela invasão nos meus guardados. A cerveja na cama. A cueca na pia. Depois, ele se tornou meu próprio ar.
Era muito ingênuo. Era dócil. As covinhas que se abriam nas bochechas quando sorria, apesar de fundas, eram suaves. Na verdade, Samuel era um amor. Aqueles amigos babacas... Vocês me desculpem, mas os verbos “chupar” e “arrombar” não tornam uma piada engraçada. Tornam-na obscena e vulgar. Não achava a menor graça naquela turminha. E ele conseguia ser irritantemente adorável. Me apresentava às amigas e não dizia um “ai” pela cara fechada que eu fazia para todas.Todos eram bonzinhos naquele mundo mágico, todos eram de bem, bacanas e alto-astrais. Um bando de “Ternurinha”. Uns bajuladores. Nunca o magoaria falando tanta verdade inconveniente. Detestava ver ele procurando pureza nos meus olhos. Constrangia. Quando perguntei por que tanta amabilidade, ele me respondeu que gostava de pensar que a amargura vinha em forma de potinhos de exames. São simpáticos vazios. Mas quando contém “a causa da sua doença”, você quer mais é se livrar daquela porcaria. Mas que são até colecionáveis, são. Assim ele queria a amargura. Longe dele depois de curado. Que tédio.
Ah... Mas ele não sabe o quanto eu quis passar o resto da vida ao lado dele. Por exemplo, naquele dia, na casa da Larissa. Depois dela falar aquele monte sobre o canalha do João (traidor, mentiroso, safado e sonso). Samuel não entendeu muito bem quando eu disse que ela estava carente e se entregou demais. E ficou mais puto ainda quando eu pedi pra ele se tocar. Devia ter esclarecido que era pra ele se tocar sobre o João...
E depois que ela falou tanto, eu fiquei comovida. Tem gente que não guarda mágoa... Tem gente que ama. Ainda bem, porque eu já estava quase disposta a mudar pelo mundo. Isso tudo eu disse depois de assistir “A liberdade é azul”... Cheguei a enxergar um esboço de sorriso nele. Mas depois ele disse que eu era impossível de entender e foi embora.
Mal ele sabe, mas depois que a gente terminou, não paro de escutar “Close to you”. Milhares de vezes ao dia. Às vezes ligo de outro número só pra ouvir o “Alô?!” alegre dele. Também mudei o caminho só pra vê-lo saindo do trabalho (e Deus inventou o terno...). Só ver. Observar aquele gesticular tão vivo... Aposto que vai ver outra pessoa. E não me importaria quem fosse, desde que ele voltasse para os meus braços mais tarde. Ensaiei uns choros ontem à noite.
E toda vez que ele caminha pro lado contrário em que estou, eu morro aos poucos.
Mas a cada passo que ele der.
A cada suspiro dele.
Eu estarei observando.

Nora (ou “Try a little tenderness”)

“Oh she may be weary
Those young girls they do get weary
Wearing that same old shaggy dress
But when she gets weary
You try a little tenderness”

Eu a achava muito sexy. Aquele sarcasmo, aquele olhar irônico. Aquela maldade. No início, fiquei maluco. Corria atrás, telefonava, queria passar a noite inteira com ela (a chave de pernas...). Depois, ela se tornou a indisposição em pessoa.
Era muito inflexível. Era radical. A flor de lótus tatuada no ombro esquerdo (linda!), apesar de flor, era agressiva. Na verdade, Nora era um ultraje. Desprezar quem não lhe agradava à primeira vista era uma de suas marcas. Me fazia cada vergonha... Adorava ficar séria diante dos meus amigos piadistas. O pessoal rindo das piadas e ela lá... Impávida. Achava prazeroso analisar e não ver nada de especial em “Ternurinhas” (assim chamava as pessoas de bem, bacanas e alto-astrais). Mentia. Omitia. Mas, no fundo, eu sei que não se orgulhava. Uma vez, quando eu perguntei por que tanta amargura, disse pra mim que gostava de pensar que a ternura poderia um dia vir em latas decoradas, que nem pannetone, que você compra, se delicia e depois guarda outra coisa na lata. Ou só guarda mesmo pra lembrar-se do sabor e do cheiro. “Falta ternura no mercado”. E ela achava que um dia ia chegar. Assim. Que nem magia.
Por exemplo, quando ouviu Larissa dizer que amava o ex, seu estômago revirou. Achou nojento. “Coitada. O que é a paixão... O que é a carência...É o que dá se envolver.” Na minha frente. Eu apaixonado. Era o que ela realmente gostaria de falar pra Larissa, mas não podia. “Claro que não. Com amigos a gente mede palavra. Não é assim, na bucha: ‘Se toca’”. Acreditem: ela era muito capaz de dizer isso... Já disse pra mim.
E enquanto Larissa contava sua dor de amar, Nora ouvia com cara de asco. E depois de ouvir tanta benevolência, tanta falta de mágoa, tanta amabilidade, a repulsa se transformou (susto!) em empatia, mais tarde, depois que a gente viu aquele filme cabeça. “ Como é bonito ver um alguém que não consegue odiar...O mundo tem jeito. E, graças a Deus, não sou eu quem vai promover essa mudança. Tem gente melhor pra isso”. Ah, vou confessar, achei bonitinho quando ela falou assim. Ela tentou... Mas ficou esquisito: o ar de arrogância junto com o comportamento autodestrutivo. Era demais pra mim. Desisti de entender.
Talvez Nora tenha esperanças de ser amada um dia. De dizer pieguices, ouvir Carpenters, ficar horas pendurada no telefone com voz de criança, ser traída, correr atrás do amor perdido e chorar de verdade. Por amor. Sem pensar. Quem sabe ser uma Ternurinha. Eu não consegui.
Talvez ela esteja um pouco entediada.
Nora merece tão mais...
Um pouco de delicadeza, quem sabe..