sexta-feira, 4 de março de 2011

Minha mãe, o carnaval e eu

As coisas mudam totalmente quando ela vem pra casa. Vovó faz lasanha verde (???), vovô pára de fumar cachimbo (“Isso vai matar o senhor”) e a empregada sorri quando brigam comigo.
Deve fazer uns três anos que a gente não tem o “Baile da família” na sede do clube de tênis da cidade. Ela organiza sempre que vem todos os anos. Mas ela foi embora pra mais longe de casa. Fiquei com o quarto maior, mais espaço para meus carrinhos e a sensação de que estou menor ou coisa parecida.
Mas esse ano, não escapamos. Ela está no telefone, dizendo que comprou uma fantasia de palhaço pra mim porque passará finalmente o carnaval aqui. Desligo o telefone, falo um palavrão que aprendi na escola, sou repreendido e me sento na mesa da cozinha. A notícia é dada para vovô e vovó, que começam a cantar uma marchinha. Eu não estou nada satisfeito. Primeiro porque minha orelha dói por causa do puxão. E penso na hora. O baile é um tormento pra mim. Sempre estou ironicamente patético na hora do discurso dela. Não me controlo. Meus primos passam o ano inteiro sacaneando comigo... E este ano será de palhaço... Estou rezando pra Nossa Senhora Protetora dos Meninos que se Fantasiam de Palhaço no Carnaval. Pra isso deve haver uma santa protetora. Tem que haver.
Ela é uma cretina, na verdade. Ela me deixa tão feliz quando a vejo que acabo me esquecendo o quanto não faz sentido uma criança de oito anos vestida de pirata ou marinheiro. Não importa, no fim. Ela me abraça e eu sinto os cabelos com cheiro de jardim cobrirem meu rosto. Aí ela me carrega e tanto faz se eu estou com uma peruca de palhaço.
E começa o baile. Não, não quero dançar, que chato. Vó, fala pro Juninho parar de puxar meu nariz? Não, não sei dançar. Minha peruca coça, vó. Não, tá muito calor, não quero dançar, já disse. Vô, é a terceira vez que o Juninho joga serpentina dentro da minha calça! Não, não quero um sarongue (?). Peraí! Confete na boca nã...
Tio Bené já tomou conta do salão. Juninho engoliu o apito, para a alegria secreta dos presentes.
Meu estômago tá fazendo aquele barulho esquisito. Chegou a hora... Ela, de melindrosa, vai falar aquilo que eu sempre temo. O discurso de despedida. Vamos todos chorar, satisfeita?
Com os punhos e os olhos fechados, eu sou palhaço mais nervoso do mundo. Ela está falando. Acho que é algo sobre união, família ou amor. Não estou nem aí. Só não quero que acabe. Meus olhos estão fotografando e meus ouvidos estão gravando tudo. Não posso esquecer nunca. Ai não. É o fim. Não estou escutando mais nada.
Aconteceu de novo: eu no colo dela, implorando pra me levar junto e não me deixar. As lágrimas cheias de glitter mancham meu rosto de palhaço. E ela diz pra vovó ficar comigo, pois seu vôo é daqui a pouco.
Ela foi a primeira mulher a me abandonar. Confesso que não foi a primeira nem a última vez que banquei o palhaço na vida... Bom carnaval.

4 comentários:

HelianaBastos disse...

que bonitinho, engraçado que da forma como escreves consegui imaginar a cena, me pareceu um filme contado pelo menino palhaço. Imaginei ele vestido de palhaço, insatisfeito, tenso, triste....
bjos nai*-*

Juliana Espíndola disse...

Que lindo! Tava aqui imaginando a cena disso tudo! Adorei o blog! :Li outros post aleatoriamente, mais gostei bastante! To seguindo
beijo grande

Lapsus Calame disse...

Que "mundin" pequeno enh! Descobri seu blog por acaso há alguns meses... gosto muito de ler seus textos! parabéns.

Wendell Miranda disse...

Caí aqui por acaso, mas adorei seu blog!
Essa postagem especialmente achei sensacional!
A maneira como conseguiu se expressar foi impressionante!
Se não se importa, tomei a liberdade de lhe seguir!
Beijos!