quinta-feira, 24 de julho de 2008

Ciclos


Este ano tem tido sabor de descoberta. De ciclos de vida. Não por experiência própria porque a vida alheia é bem mais interessante. Duas pessoas da minha família completam este ano idades significativas: 50 e 90 anos.
Não tenho nenhum dado esotérico preciso (esoterismo é preciso? E nos dois sentidos da pergunta?), mas posso usar por aqui a minha lógica numerologística (?). Bem. Cinqüenta anos é meio século. Muita coisa acontece em um século inteiro. Desde revoluções e guerras (se bem que a 2ª guerra mundial durou menos que uma década) até perspectivas históricas e ideais que mudam. Pois então: meio século é meio caminho andado. Parece que a metade de uma vida (a da Dercy Gonçalves, por exemplo) já foi vivida.
Pode ser “meio” cansativo ter 50 anos. Temos a idéia de que faltam coisas pra fazer. Mesmo quando o já feito já pareça bastante aos olhos dos outros (filhos criados, vida profissional estável, companhia pro resto da vida...). Por outro lado, é cretino pensar que uma vida está vivida aos 50! É preferível esperar por outros 50 anos que, pela estatística de Dercy, nos é de direito!
Então vem a outra idade: os noventa anos. Noventa por cento de um século, hein? Com a saúde envelhecida e os conceitos envelhecidos fica difícil acompanhar tudo e todos. A nossa capacidade de assimilação e absorção do que é novo fica menor. Ficamos lentos. E o mundo não contribui ficando mais rápido.
Imagina chegar aos 90 (anos)! Olhar para trás e ver o quanto foi feito, quantos venceram, morreram, perderam... É um estado um tanto contemplativo e observador. Porém, é uma sala de espera de um encontro fatal. A morte nesse ponto é certa porque se escapou muito dela. É fato: ficamos mais lentos, portanto, menos dispostos a escapar. Mas o mais incrível é o quanto a idade traz a serenidade necessária para aceitar os fatos da vida e da morte.
Percebo isso quando vejo o olhar e a postura de minha avó e meu pai. Meu pai, prestes a completar a 50ª primavera, tem ainda os olhos arregalados para a política e levanta a voz para o que é errado, podre, sujo ou tende para o desastre. Ele ainda possui muito poder de decisão nas vidas de meus irmãos (e minha, por que não?). Ainda arrisca um cigarrinho e uma cerveja aqui e ali. A saúde dá seus trancos, mas pô! Cinqüentinha?! Há muito ainda pra se discutir, tentar consertar... O médico vai ver a cara dele por mais 50 anos ainda... Pode-se terminar o que está incompleto e o corpo vai colaborar, eu sei!
Minha avó já completou 90 anos essa semana e tem os olhos mais cerrados... Apertadinhos, com rugas nos cantos. Não se assusta muito com os erros do mundo, de forma que já os previa, ou algo assim. O que a assusta (e muito!) é a perda gradual de sensibilidade e o desvirtuamento dos valores, onde o erro não é mais um processo de aprendizagem e sim, vício. Mas mesmo assim, mantém a postura calma na cadeira de balanço... Com a sua missão comprida (muitos filhos) e cumprida (todos criados, com poder decisão na vida dos outros...). Não reprova mais levantando a voz. Apenas um balançar delicado da cabeça e os lábios recolhidos para um lado só da boca já revelam a sua reprovação.A saúde é preciosa. O corpo é templo. É esperar. E, segundo ela mesma fala, esperar em Deus.

Dedico este texto à minha avó Lili, ao meu pai de criação e a Dercy Gonçalves. Agradeço a inspiração, o aprendizado e a esperança nas estatísticas.

5 comentários:

Murilo Abreu disse...

Imagino eu com meus 17 anos e tanta vida já vivida. O tempo tem essa capacidade incrível de ser a força maior. Gostei bastante do texto. Quanto ao link, adoraria se vc colocar.

Lara Bitencourt disse...

Drummond de saia,me matou de extase agora.

Ar de reprovação de vó é doido né.
Mas,sei lá,elas sabem o que tão fazendo.
É aquela coisa,Cê tá na pior das situações e lembra que a velha te disse pra não ir ,não fazer...É assustador como tão sempre certas,mas o mais maluco é como é que elas aguentaram chegar até esse ponto de tamanha sabedoria(expresão engraçada)e se agente também vai aguentar.Díficil...

Abraços

Lara

Lupe Leal disse...

"o erro não é mais um processo de aprendizagem e sim, vício."

obrigado por isso.
parabéns.


grandes abraços

Francisco Filho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Francisco Filho disse...

Sinto-me honrado com seu elogio e obrigado pelo desejo de boa viagem. Acertou - é, de fato, a realização de um sonho colorido como o México.

Não existe mais os km que separavam Amapá de Goiás, ou Amapá do México.

Voltarei sempre.

(pequeno erro ortográfico no comentário excluído)